Tomorow Never Knows...





A 9 de Abril o Laboratorio Chimico entreteve-se(vos) a antecipar o futuro. Assim, nas próximas emissões é bem possível que as explorações psicadélicas recaiam em Coil, no negrume nipónico de Rallizes Dénudés, Keiji Haino e Kousokuya vs. "O Elogio da Sombra" de Junichiro Tanizaki, na New Weird America ou no fuzz funk-rock da Nigéria das décadas de 1960 e 1970! Fiquem atentos!

Ouvir aqui.

YaHoWha 13

No primeiro dia de Abril de 1969 abria em Los Angeles o "The Source", um restaurante de comida saudável que se constituiu como força mobilizadora do que viria a ser a "The Source Family", uma comuna hippie de adoradores de Father Yod, o seu patriarca e líder espiritual incontestado. 40 anos volvidos, o Laboratorio Chimico aproveitou a efeméride e dissecou o trabalho da extensão musical do grupo, os YaHoWha 13.


James Eduard Baker (mais tarde Father Yod e ainda YaHoWha), que havia sido marine na II Grande Guerra Mundial com direito a medalha de honra, foi um beatnick e nature boy durante os anos 50, em LA, remetendo-se a uma vivência proto-hippie quiçá como expiação das experiências do teatro de guerra. Durante os anos 60 aprimorou o seu interesse pelas tradições esotéricas orientais, tornando-se monge vedanta. "The Source", o seu terceiro restaurante vegetariano, rapidamente granjeou vasto sucesso, enquanto o magnetismo irresistível de Father Yod atraía até às imediações legiões de seguidores. Reconhecendo vibrações aquarianas em tal mobilização, Yod muda-se para uma mansão em Hollywood - a Mother House - com um numeroso grupo de acólitos seguidores que viriam a constituir a irmandade "The Source Family". De vestes brancas, a Família preconizava uma rigorosa devoção a um programa de práticas espirituais que envolviam meditação e yoga, dieta vegetariana, comunhão e respeito para com os animais, alteração dos papéis de género convencionais, magia, sexo tântrico e partos naturais. Na época, muitos foram os movimentos que proliferaram na Califórnia pregando caminhos espirituais e amor livre, mas terá sido a sua organização e ética auto-suficiente e anti-propagandística que marcaram uma certa distinção e credibilidade dos demais.


A música surgia assim como válvula de escape para a energia criativa da comuna. Entre 1973 e 1975 as várias encarnações deste sub-culto - o grupo denominou-se Father Yod & The Spirit of '76, The Savage Sons of YaHoWha, Fire Water Air (o significado cósmico-astrológico de YaHoWha, renomeados após a morte de YaHoWha) e YaHoWha 13 (uma alusão às 13 mulheres de Father Yod?) - geraram mais de 60 discos que foram vendidos a preços honestos no restaurante, dos quais 9 foram produzidos e editados pela Higher Key, a editora da Família. Os discos - que contaram com a participação mais activa de Djin, Octavius, Sunflower e Rhythm Aquarian, para além, claro está, de YaHoWha - epitomizam os devaneios psicadélicos do grupo através do rock ácido feito de guitarras distorcidas e percussões tribais (de que Penetration: an Aquarian Symphony e I'm Gonna Take You Home serão os melhores exemplos) acompanhadas pelas entoações shamânicas do guru Yod, que, em tom sussurrante ou histérico, apregoa as doutrinas da irmandade ocasionalmente reforçado por coros femininos (Kahoutek, Expansion, Contraction, To the Principles for the Children). O rock eléctrico improvisado em tom freak-out predomina, embora também seja possível escutar algum pendor blues (YaHoWha e Savage Sons of YaHoWha) ou formatos acústicos estruturados em canções com letras cândidas (All or Nothing at All).
No final de 1974, "The Source" é vendido e a Família muda-se para o Hawai. Bem menos tolerante do que LA, o acolhimento insular não foi o mais caloroso, obrigando a um período de indefinição quanto ao poiso do grupo, apesar de se instalarem na ilha de Oahu. É neste contexto de indefinição e alguma desagregação que um acidente de asa-delta acaba por vitimar YaHoWha, em 25 de Agosto de 1975. Sem ferimentos visíveis de monta, o Pai não conseguia mexer-se e, rejeitando medicamentos, foi levado para casa ao cuidado das suas 13 mulheres e mais de 140 filhos e filhas, morrendo horas depois. Em Janeiro de 1977 a Família desmembrou-se.

Um dos membros da Família foi Sky Sunlight Saxon, que pertencera aos The Seeds. Saxon participou nas gravações do disco Golden Sunrise (creditado a Fire Water Air). Terá sido Saxon a negociar com a editora nipónica Captain Trip a edição de God and Hair, em 1998, uma caixa de 13 CD's com a mais significativa amostra do trabalho musical do grupo. A editora britânica Swordfish Records tem reeditado individualmente alguns discos do grupo. Sky Saxon mantém uma colaboração com outro irmão, Djin Aquarian - que também edita trabalhos a solo -, no grupo King Arthur's Court. Em 2007, por ocasião da publicação do livro de Isis e Electricity Aquarian "The Source: The Untold Story of Father Yod, Ya Ho Wha 13 and The Source Family" (Process Media) os elementos musicalmente activos do grupo (Djin, Octavius e Sunflower Aquarian) voltam a reunir-se para concertos, acabando por gravar algum material e editarem pela Prophase, já no final de 2008, o álbum Sonic Portation.


Aqui, entrevista com os YaHoWha 13 (2002).

Zabriskie point, vanishing point

Há um ponto no horizonte que funciona como o vértice visto de dentro de uma pirâmide. Uma pirâmide sem muros, nem paredes, formada apenas pelo amplexo do ar, permitindo àquele ponto mover-se connosco para onde quer que olhemos, como se nos perseguisse. Ao caminhar, o vértice absorve todos os objectos que a nossa vista alcança, os quais aí se perdem a uma velocidade cada vez maior, com uma tal força que, se nele nos focarmos, também nós aí podemos desaparecer, nesse mesmo momento em que o bico da pirâmide passa de dentro para fora e faz rebentar a íris do olho, subvertendo o ponto focal, que se inverte para se tornar ponto de fuga. O Deserto da Morte, estendendo-se por largos quilómetros entre a Califórnia e o Nevada, é um local propício para essa experiência e nele muitos se perderam para voltarem a nascer, numa prova dromológica em que o horizonte se acelera até fazer explodir essa inultrapassável distância assimptótica entre as linhas da percepção visual e o perímetro total do universo. Naquela inóspita aridez, no meio de todo o vazio, destaca-se uma espécie de clareira enrugada ainda mais estéril e mais seca, cuja única riqueza mineral foi em tempos o borato de sódio, explorado por um industrioso Zabriskie que lhe deu o nome. Há muitos milhões de anos atrás fora o fundo de um lago que entretanto se evaporou, deixando como vestígios no seu leito apenas as ondas de calor que hoje aquecem e turvam aquelas crateras de hospitalidade lunar e lava seca.



Esse ponto do deserto foi o cenário escolhido pelo filósofo Michel Foucault para a maior experiência da sua vida, a que lhe terá sido alegadamente induzida pela ingestão do ácido lisérgico dietilamida. Nas suas próprias palavras, “o LSD inverte as relações de mau humor, a estupidez e o pensamento: não põe fora de circulação a soberania das categorias quando arranca o fundo da sua indiferença e reduz a nada a triste mímica da estupidez; e a toda essa massa unívoca e acategórica apresenta-a não só como matizada, móvel, assimétrica, descentrada, espiralóide, ressonante, como ainda a faz formigar a cada instante com acontecimentos-fantasma; deslizando sobre uma superfície pontual e imensamente vibratória, o pensamento, livre da sua crisálida catatónica, contempla desde sempre a indefinida equivalência convertida em acontecimento agudo e repetição sumptuosamente engalanada.” Na mesma época, o realizador italiano Antonioni elege aquele lugar como “tópico” central do seu filme sobre essa geração desadaptada e sonhadora na América do dealbar dos anos 70: Zabriskie Point.



Com um argumento escrito com Sam Sheppard e Tonino Guerra, entre outros, o filme acompanha a fuga de um jovem, cujo envolvimento numa sublevação estudantil resultou tragicamente no assassínio de um polícia. Num estilo contemplativo mais do que narrativo e num registo de deriva e deambulação, vemos o jovem a pairar, numa avioneta hippie, sobre o Vale da Morte, a ter um caso de amor livre com uma jovem inconformada com a sua herança burguesa, o seu não menos trágico abate pelas autoridades, até chegarmos ao final para assistir à metáfora explosiva e paradoxalmente apoteótica, de efeitos inegavelmente psicadélicos, do “Blow your mind” apregoado pela contra-cultura dos finais de 60. A casa burguesa e o estilo de vida conformista dos pais da rapariga explodem com todo o seu conteúdo, em imagens de estranha beleza multicolorida, filmadas de todos os ângulos, rebentando em câmara lenta em todas as direcções, como se o espectador tivesse finalmente sido absorvido pelo ponto de fuga do deserto e assistisse por dentro à violenta explosão da sociedade de consumo, materializada na desagregação atómica dos seus objectos fetiche. “Come in number 51, Your time is up” é o tema de Pink Floyd que acompanha esta sequência verdadeiramente surrealista – comparem-se alguns quadros de Dali com as deformações causadas aos objectos do quotidiano. Os Pink Floyd foram responsáveis por uma parte considerável da banda sonora, ao lado de nomes como Grateful Dead, Kaleidoscope, Jerry Garcia, The Youngbloods e John Fahey.


O Surfar Ciclotímico do Olho do Cu

Considere-se o seguinte cenário: um denso nevoeiro espalhando-se do palco para o meio de uma multidão desorientada pelas insistentes luzes estroboscópicas; no fundo, por detrás dos artistas, alguns filmes projectados em estranhos ângulos e perspectivas, sobrepondo-se por vezes uns aos outros, sincopados, invertidos, imagens alotrópicas de acidentes viários, cirurgias de reconstituição de pénis, explosões nucleares, transformação de alimentos, insectos ou ainda excertos de episódios em negativo dos Anjos de Charlie, o suficiente para causar ataques epilépticos ou aneurismas aos mais sensíveis; junte-se-lhe uma melodia dissonante construída sobre o feedback de uma guitarra, acompanhada por duas baterias em uníssono, um baixo defeituoso, a voz alterada por um megafone ou por um rolo de papel higiénico, vinda de um gigante com uma cabeleira postiça e molas da roupa penduradas por todo o corpo, enquanto uma dançarina exótica se vai despindo até eventualmente se envolver fisicamente com o vocalista; se isso não bastar, imagine-se que centenas de fotocópias de escaravelhos são atiradas para o público ou que o vocalista de cada vez que cai no chão faz rebentar preservativos colados ao corpo, previamente cheios de sangue, e que os restantes membros da banda vão esfolando animais empalhados. Se isto aconteceu algures no Texas, em meados dos anos 80, então, muito provavelmente, era um concerto dos Butthole Surfers, a estranha banda dos arredores de Austin que herdou a tendência texana para as substâncias psicadélicas e o sentido de humor desconcertante de um ovo antropomórfico sempre à beira do desequilíbrio.



A bizarria é o terreno de eleição deste insólito agrupamento que tem como membros fundadores, dois promissores contabilistas que estudavam no Trinity College, em San Antonio, Texas. Gibby Haynes, o vocalista gigante e principal força da banda, para além de ter conseguido alguns títulos pela equipa de basquetebol da escola, foi galardoado como “Contabilista do Ano” no ano da sua graduação, é filho do Mr. Peppermint, uma personagem de um programa de televisão infantil dos anos 60, e conhecido por jogar ténis todo nu, coleccionar imagens de anomalias médicas, ter sido expulso da firma onde trabalhava e, por vezes, incendiar o palco. Não sendo dotado naturalmente para o canto, foi apetrechando as suas performances vocais com toda a espécie de artefactos que pudesse alterá-la, num processo de sofisticação que culminou no seu Gibbytronix, uma caixa personalizada de efeitos que o acompanha nos seus concertos. Para além dele e de Paul Leary, o guitarrista psicadélico, os restantes membros da banda foram mudando, destacando-se os bateristas falsamente geminados King Coffey e Teresa Nervosa. O improvável nome da banda deveu-se a uma confusão de um apresentador num dos primeiros concertos que tomou o nome de uma música “Butthole Surfer” pelo nome do grupo, mas o acaso assenta bem no caos estrutural do projecto e acabaram por o adoptar, substituindo-o aos nomes não menos absurdos de Dick Clarck Five ou Nine Foot Worm Makes Own Food.



A música pode ser catalogada de forma controversa como psicadélica, com elementos do punk e noise rock, heavy metal, electrónica e até como precursora do grunge, ainda que sejam mais que óbvios os clichés de modificação perceptiva e acústica que contaminam as estruturas rítmicas, as convoluções tímbricas e todo o imaginário alucinogénio das canções e dos álbuns, onde títulos como Humpty Dumpty LSD ou “I smoke Elvis Presley’s toenails when i wanna get high” não enganam, para não falar do primeiro álbum “Psychic…Powerless…Another Man’s Sac” de 1983.

Para ver uma entrevista dos Butthole Surfers na cama: parte 1 e parte 2

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A experiência do som no cinema
Culturgest

Programação: Ricardo Matos Cabo aqui

Cinema Quarta 1, Quinta 2, Sexta 3, Sábado 4, Domingo 5 e Segunda 6 de Abril de 2009
Pequeno Auditório · 3,5 Euros (Preço único)

No sábado, uma sessão particularmente dedicada ao música visual e à sinestesia experimental de Oskar Fischinger, dos irmãos (Whitney já referidos num dos primeiros Laboratórios Chimicos), de Norman MacLaren e Tony Conrad.



Sábado 4
15h30
Correspondências entre o som e a imagem
Das Tönende Handschrift
de Rudolph Pfenninger, 1929, 35mm (transferido para vídeo), v.o. leg. em português, 10'
Tönende Ornamente
de Oskar Fischinger, 1932, 16mm, 3'20''
Five Film Exercises
de John Whitney e James Whitney, 1941-1945, 16mm, 21'
Dots
de Norman McLaren, 1940, 35mm, 2'21''
Pen Point Percussion
de Norman McLaren, 1951, 35mm, v.o. inglês, 5'58''
Synchromie
de Norman McLaren, 1971, 35mm, 7'27''
Soundtrack
de Barry Spinello, 1969, 16mm, 10'
Articulation of Boolean Algebra for Film Opticals
de Tony Conrad, 1975, 16mm, 10' (excerto de 75')
A procura de uma equivalência entre o som e a imagem corresponde, na história do cinema, a um género particular de exploração das possibilidades contidas no próprio material fílmico. Os filmes apresentados nesta sessão investigam a complementaridade e interacção som / imagem, a possibilidade de tornar visíveis os sons através da síntese sonora. Inclui pequenos documentários que permitem perceber a técnica da "escrita visual" no filme dos pioneiros Pfeninger e McLaren, a ideia da ornamentação sonora em Fischinger, os espantosos exercícios visuais dos irmãos Whitney, as experiências de unidade som / imagem de Barry Spinello e um excerto de um filme de Tony Conrad que procura, de modo diverso, questionar a unidade som / imagem.

18h30
Mauricio Kagel, realizador
Symphonie Mécanique
de Jean Mitry, 1955, 35mm, 13’
Antithese
de Mauricio Kagel, 1965, 16mm (transferido para vídeo), 19’
Hallelujah
de Mauricio Kagel, 1967, 16mm, v.o. alemão, 40’
Dois filmes notáveis de Mauricio Kagel, que representam duas fases distintas da sua prática cinematográfica: Antithese, o seu primeiro filme é uma aproximação cinematográfica ao plano teatral e de registo de uma composição e Hallelujah é já uma composição para cinema na equivalência total entre a imagem e o som. Em complemento, a pesquisa visual e sonora de Jean Mitry e Pierre Boulez.

21h30
A voz: série, repetição
Synch Sound
de Taka Iimura, 1975, 16mm, 12’
Paul Celan Liest
de Ute Aurand, 1985, 16mm, v.o. inglês, 5’
Picture and Sound Rushes
de Morgan Fisher, 1973, 16mm, v.o. inglês, 11’
Hapax Legomena III: Critical Mass
de Hollis Frampton, 1971, 16mm,v.o. inglês, 25’
Done To
de Lawrence Wiener, 1974, 16mm (transferido para vídeo),v.o. inglês, 20’
Episodic Generation
de Paul Sharits, 1978, 16mm, v.o. inglês, 30’
Sessão organizada segundo um princípio comum a todos os filmes: a exaustão de uma forma através da repetição e da reverberação. O filme de Iimura é um jogo formal entre o tempo e os elementos sonoros e visuais de uma banda de som. Paul Celan Liest é uma visualização da voz de Paul Celan a ler três poemas. Morgan Fisher explora as ironias que surgem da normatividade dos processos técnicos e industriais no cinema, esgotando as possibilidades de relação som / imagem. Os filmes de Frampton e Wiener colocam em cena uma batalha de dissonâncias e cortes sonoros, numa estrutura de repetição e exaustão metafórica entre o material fílmico e o que vemos nas imagens. Finalmente, o filme de Paul Sharits reflecte o interesse do autor pelo som, na versão para ecrã de uma instalação sobre o eco e a perda da definição da imagem e do som pela sobreposição.

New Weird America

Em 2003, o colaborador da revista "Wire", David Keenan, apelidou de "New Wierd America" o movimento de vários projectos de música independente que na época pululavam consistentemente pelo circuito underground mais recôndito do folk Norte-Americano.

Grande parte desses grupos ou projectos individuais estavam (e alguns estão) sediados fora dos grandes centtros urbanos como células auto-excluídas do organismo total, como forma de inspiração isolacionista mas também como refúgio face a uma América politicamente corporativa de efeito anestesiante à criatividade artística. Este modus vivendi potenciou a formação de redes subterrâneas de alianças e permutações criativas através de várias publicações caseiras bastante limitadas, e de editoras e distribuidoras como a Apostasy, Child of Microtones, Eclipse Records, Ecstatic Yod, Spirit of Orr, Vhf, entre muitas outras.

Quanto a nomes de projectos, muitos poderiam ser mencionados para além dos destacados no programa. Incorporam sonoridades distintas que oscilam entre a apresentação acústica e vocal estruturada, a improvisação livre, free-jazz, rock psicadélico, drones, artefactos electrónicos, field recordings ou simplesmente o manuseamento de objectos do quotidiano. Mas o substrato comum a tal grupo repousará na expressão musical do imaginário folk Norte-Americano reciclada desse arquivo arquetípico da América que é a Antologia da Música Folk Norte-Americana de Harry Smith, ou de nomes como John Fahey ou Blind Willie Johnson, do rock dos Sonic Youth ou Melvins ou mesmo de artistas britânicos como os The Incredible String Band ou Simon Finn.

A 23 de Abril, na emissão do Laboratorio Chimico ouviu-se:
The Tower Recordings - Braille Metronome (Furniture Music for Evening Shuttles, 1998)
Pelt - The cuckoo (Ayahuasca, 2001)
Jackie-o-Motherfucker - Bone Saw (The Magick Fire Music, 2000)
Ash Castles on the Ghost Coast - Ride Cactus, Glide Cliff (Ash Castles on the Ghost Coast, 1996)o
No-Neck Blues Band - Wieder der Erste Mal (Embryonnic, 2006)
Sunburned Hand of the Man - Rivershine (The Trickle Down Theory of God Knows What, 2003)
Vanishing Voice - Nordic Visions (Nordic Visions, 2006)
Six Organs of Admittance - Attar (The Sun Awakens, 2006)
Six Organs of Admittance - On Returning Home (Dark Noontide, 2002)

Devido a problemas técnicos a emissão em podcast deste programa não está disponível.

Austin, Texas: a cidade onde a Pirâmide encontrou o Olho

Certamente que nos atribulados dias que correm, o comum dos mortais dificilmente associa o Texas a qualquer movimento progressivo ou revolucionário do passado ou presente, optando antes por conotar a aridez desértica do estado da estrela solitária com o terreno fértil da ascensão política de George W. Bush. Apesar de aparentemente monolítico em termos culturais, o Texas é na verdade um cadinho de ambivalências socioculturais dificilmente conciliáveis, albergando um historial de conformismo e conservadorismo a par com uma tradição progressista expressa, por exemplo, na eleição da primeira mulher para o cargo de governadora na história dos Estados Unidos. Este progressismo pode igualmente ser atestado nos idos anos 50 e 60, com a ascensão de um movimento psicadélico que apenas encontra rival na cena temporalmente contígua de São Francisco, e onde militavam artistas e grupos preponderantes na sua definição estética.

Austin, capital do estado texano, encontrava-se no epicentro desta revolução contra-cultural, e foi o berço de uma Meca alternativa para as mentes ávidas de música psicadélica: o Vulcan Gas Company, uma sala de concertos fundada no Outono de 1967, onde era possível absorver as infusões sonoras de alguns dos grupos menos convencionais da época. As condições eram verdadeiramente espartanas. Não existiam lugares sentados, as pessoas tinham de se deslocar até um edifício adjacente se quisessem matar a fome e a sede, e os consumos de álcool e marijuana eram fortemente desencorajados. Contudo por um punhado de dólares, mais precisamente pela módica quantia de 1 dólar e 50 cêntimos, qualquer um ganhava acesso ao seu interior e às surpresas musicais que lá se escondiam. As comparações com a cidade californiana são mais uma vez inevitáveis, pois este Vulcan Gas Company podia ombrear com os mais famosos Avalon Ballroom ou Fillmore Auditorium de São Francisco sem se sentir diminuído ou inferior. A banda da casa eram os Shiva’s Headband de Spencer Perskin que, com a gravação “Take Me To The Mountains” de 1969, foram o primeiro grupo natural de Austin a lançar um disco por uma editora nacional, a Capitol Records.

A cena psicadélica de Austin ficou imortalizada no documentário “Dirt Road to Psychedelia: Austin, Texas during the 1960’s”, realizado e produzido por Scott Conn, que nos conta como ocorreu a convergência nesta cidade texana de beatniks embriagados de LSD e peyote, movimentos políticos em favor dos direitos civis, manifestações pacifistas, e um gosto ancestral pela música blues e country. Na banda sonora encontram-se vários dos actores principais desta história, como os Conqueroo, os Shiva’s Headband, e Janis Joplin, também ela texana e antiga aluna da Universidade de Austin, onde em 1962 inspirou um artigo no jornal universitário intitulado “She Dares To Be Different”.

Embora com sede em Houston, a International Artists era uma editora independente que deu a conhecer muitos dos nomes que provinham de Austin. Fundada em 1965 por Lelan Rogers, a International Artists editou, até à data do seu encerramento em 1970, 12 álbuns e 39 singles, entre os quais se conta o único registo dos “Austinites” (assim são conhecidos os residentes de Austin) The Golden Dawn, intitulado “Power Plant”, e “A Gathering Of Promises” dos Bubble Puppy, grupo originário de San Antonio, mas que em 1967 assentou arrais na capital texana, atraídos pelo magnetismo irresistível de uma cidade em ebulição.

De todas as bandas que surgiram em Austin durante os anos 60, os 13th Floor Elevators são provavelmente os melhores candidatos a receber as chaves da cidade, não só aquelas que atestam o reconhecimento de uma comunidade agradecida pelo contributo cultural mas também aquelas outras que abrem de par em par as portas da percepção. A importância do grupo é atestada pelas numerosas reedições dos seus discos, em particular dos seminais “The Psychedelic Sounds Of The 13th Floor Elevators” e “Easter Everywhere”. Ao longo dos anos surgiram várias homenagens ao grupo e ao seu carismático líder, das quais se destaca a compilação “Where The Pyramid Meets The Eye: A Tribute To Roky Erickson”, um registo heteróclito onde se podem encontrar nomes tão dispares como ZZ Top, Butthole Surfers, Julian Cope, R.E.M., Jesus And Mary Chain, entre outros. Para além de constituir uma prova inabalável da intemporalidade do legado dos 13th Floor Elevators, esta compilação tinha ainda a curiosidade de ter como título a definição que Roky Erickson deu de música psicadélica como “o local onde a pirâmide encontra o olho”, uma referência ao “olho da providência” que pode ser encontrado nas notas de um dólar norte-americanas e na capa do primeiro disco de originais do seu grupo.

Playlist:

13th Floor Elevators - "You're Gonna Miss Me" (The Psychedelic Sounds Of The 13th Floor Elevators)
13th Floor Elevators - "Roller Coaster" (The Psychedelic Sounds Of The 13th Floor Elevators)
13th Floor Elevators - "Splash 1" (The Psychedelic Sounds Of The 13th Floor Elevators)
Shiva's Headband - "Homesick Armadillo Blues" (Take Me To The Mountains)
Shiva's Headband - "Take Me To The Mountains" (Take Me To The Mountains)
Janis Joplin - "Stealin'" (Early Performances)
Bubble Puppy - "I've Got To Reach You" (A Gathering Of Promises)
Bubble Puppy - "Lonely" (A Gathering Of Promises)
The Golden Dawn - "Evolution" (Power Plant)
The Golden Dawn - "Starvation" (Power Plant)
ZZ Top - "Reverberation (Doubt)" (Where The Pyramid Meets The Eye)
Primal Scream - "Slip Inside This House" (Where The Pyramid Meets The Eye)

Keep Austin Weird

No próximo Laboratório Chimico:

Unbirthday

A Rádio Universidade de Coimbra comemorou 23 anos de idade no passado dia 1 de Março de 2009 que, curiosamente, coincide com o feriado municipal da cidade de Thomar onde o Laboratório Chimico poderá doravante ser escutado. Aqui fica o programa das festividades:

Friendsound ou Joyride?

Friendsound ou Joyride? ... Joyride ou Friendsound? ... Quem olhar para a capa do disco que se destaca aqui no Pulsar Ciclotímico do Amola-Tesouras terá alguma dificuldade em perceber qual o nome da banda e qual o nome do álbum. Regressamos pois à obscuridade. Mas, não obstante se tratar de uma banda obscura, existe, surpreendentemente, alguma informação disponível sobre os Friendsound. Não é porém graças aos membros da banda, que parecem querer mantê-la oculta, mas antes à custa de salteadores persistentes destes tesouros escondidos do psicadelismo norte americano. Friendsound foi a face oculta de uma parte significativa dos membros de Paul Revere and the Raiders, um famoso grupo de rock, nos anos 60, que permaneceu durante muito tempo no American Top 40. Em 1968, Phil Volk, Drake Levin e Mike Smith, todos membros dos Raiders, decidem formar outra banda, juntamente com o organista Ron Collins, chamada The Brotherhood, grupo mais ousado do que o anterior. E foi no contexto desta experiência, em 1969, que surge Friendsound, num dia em que uma série de amigos decidiram juntar-se, convidando outros mais, ligados à preparação de um primeiro álbum, para fazer uma “jam session” onde tudo era permitido, num estúdio com muito LSD disponível para todos. Está assim explicado o nome da banda. Quanto ao nome do álbum também será fácil perceber, numa observação mais atenta da capa do disco, editado na RCA Victor Records, onde sobressai uma carruagem psicadélica puxada por um leão, prenunciando esse passeio jubiloso, que para alguns antecipa em alguns anos as aventuras do space rock dos anos 70 e mesmo do kraut. O disco destaca-se ainda pelo seu carácter experimental, usando e abusando de efeitos de estúdio, que enfatizam o contexto psicadélico do álbum, mas também pelo facto de recorrerem a muitas gravações de campo, nomeadamente, sons de crianças em jardins infantis, pássaros, preterindo assim, em muitos momentos, a tentação melódica e rítmica que o passado destes músicos tornava muito real.


Quatro faixas compõem o lado A e apenas duas mais longas, o lado B deste LP relativamente curto. “Joyride”, a primeira faixa, não permite duvidar das intenções alucinogénias, ao sobrepor camadas de gravações que dissolvem a unidade do tempo e do espaço acústico, enevoando a consciência para a transportar até um paraíso artificial, onde a flauta liquefeita de Don Nelson se dilui com as guitarras sensuais de Drake Levin e Chris Brooks, acompanhadas pelo órgão planante de Ron Collins. Uma cacofonia de sabor industrial enterra nostalgicamente a infância para sempre perdida, em “Childhood’s End”, tentando recuperá-la num efusivo hino às guitarras distorcidas do rock. A nostalgia revela-se logo de seguida, com “Love Sketch”, uma balada sentimental mas ainda cheia de reverberação. Como uma experiência de música concreta, “Childsong” devolve a experiência inocente do canto dos pássaros, dos xilofones de criança e das caixas de música, envolvidas pela rememoração sonora de um recreio de escola. O lado B reserva-nos porém ainda as longas derivas psicadélicas, primeiro com “Lost Angel Proper St.” e depois com “Empire of light”. Não há luzes estroboscópicas mas os efeitos de estúdio usados sem discrição fazem-nos reviver, sinestesicamente, a experiência de um carrossel peristáltico que dificulta a digestão de uma grande dose de mescalina numa cidade colorida de néons. A deixa perfeita para um império de luz que nos faz visitar coercivamente uma casa assombrada, nesse parque de atracções onde a adrenalina se mistura com outros humores lisérgicos. Mas esta experiência fúngica só pode ser comprovada, escutando “Lost Angel Proper St.”, depois de se ter escutado “Joyride”.


Tracklist:

Lado A

1 Joyride - 4:15
2 Childhood's End - 3:26
3 Love Sketch - 3:26
4 Childsong - 6:12

Lado B

1 Lost Angel Proper St. - 9:22
2 Empire of Light - 9:40

Os "Jerks" electrónicos do "Psyché Rock"

“Uma tarde, atravessava Zaratustra um bosque com os seus discípulos, e procurando uma fonte, chegou a um verde prado rodeado de árvores e matagais: ali estavam a bailar umas jovens. Logo que viram Zaratustra deixaram de bailar; mas Zaratustra aproximou-se delas amigavelmente e disse estas palavras:
«Não pareis de bailar, encantadoras meninas! Quem se aproxima de vós não é um obstáculo ao vosso recreio, não é um inimigo das jovens. Sou o advogado de Deus ante o diabo, e o diabo é o espírito da gravidade. Como, ó vaporosas, poderia eu ser inimigo dessas divinas danças ou desses pés juvenis com tão lindos tornozelos? É certo que sou uma selva e uma noite de escuras árvores; mas aquele que não temer a minha obscuridade, encontrará sob os meus ciprestes sendas de rosas. Saberá também encontrar o pequeno deus preferido das donzelas: o que está junto da fonte, silencioso e com os olho cerrados. Adormeceu em pleno dia o folgazão! Andou talvez demasiado ocupado na procura de mariposas? Não vos agasteis comigo, formosas bailarinas, se acaso fustigo um pouco o pequeno deus. Pode ser que ele se ponha a gritar e a chorar; mas até chorando se presta ao riso. E com lágrimas nos olhos vós deveis pedir uma dança; e eu mesmo acompanharei essa dança com uma canção. Uma canção para bailar e uma sátira sobre o espírito da gravidade, sobre o meu soberano diabo, omnipotente, que dizem ser o “dono do mundo”.»



Criado em Agosto de 1967, para o Festival de Avignon, na Corte de Honra do Palácio dos Papas dessa cidade, “Messe pour le temps présent” foi um bailado coreografado por Maurice Béjart com a sua companhia, Ballet du XXème Siècle. Construído como uma “cerimónia em nove episódios” – o Sopro; o Corpo; o Mundo; a Dança; a Parelha, “Mein Kampf”; a Noite; o Silêncio; e, a Espera - para celebrar o tempo nietzscheano que eternamente regressa ou, dito de outro modo, o presente que se repete de cada vez nas suas diferenças, este “espectáculo total” expresso numa linguagem que ultrapassava as convenções da dança e que cruzava a poesia sapiencial bíblica do “Cântico dos Cânticos” com as reflexões sobre o corpo de Siddartha Gautama no “Sattipatthâna Sutra” ou os contos infantis do folclore popular com “O canto da Noite”, retirado de “Assim Falava Zaratustra” de Nietzsche – e com o qual ainda há pouco começámos – foi, na época, um sucesso que muito deveu a uma escuta galante da cultura pop, através da inclusão dos jerks electrónicos de Pierre Henry e dos ritmos psicadélicos de Michel Colombier na sua banda sonora, a qual incluía ainda marchas militares francesas, ragas indianas e música tradicional japonesa.


Os famosos “jerks” consistiam em breves ejaculações electrónicas, carregadas de efeitos sonoros, que aludiam de uma forma estilizada e quase sinestésica ao desregramento dos sentidos que se podia experimentar nos clubes nocturnos ou nos concertos de rock psicadélico dos anos 60. Foram por isso a embalagem sonora ideal para os breves mas intensos temas de Michel Colombier, inspirados pelos sucessos musicais da época – aliás, o mais famoso, “Psyché Rock”, que mais tarde haveria de servir ao genérico da série de animação “Futurama”, era uma versão bastante livre de “Louie Louie”, um hit garage, composto já em 1956 por Richard Berry e tornado célebre a partir de 1963 pelos The Kingsmen. Esses jerks sublinhavam, não só o estilo paródico e referencial da música do bailado, como também os movimentos bruscos e desfragmentados dos bailarinos, que surgiam como manifestações somáticas dos psicotropismos electrónicos da cultura adolescente do momento. Uma cultura que era atravessada, tanto por uma vontade de libertação com uma intensidade destruidora, como por uma necessidade de comunhão e diálogo com modelos alternativos de agir e pensar – daí a evidente tendência orientalizante também presente no espectáculo de Béjart – propostas que reconciliassem os jovens com o mundo e com o seu próprio corpo.

Durante o Pulsar Ciclotímico do Amola-Tesouras, ouviu-se:

Dagar Brothers - "Darbari-Kanada" (Music of India vol.5)
The Kingsmen - "Louie Louie" (7")
Pierre Henry & Michel Colombier: Messe Pour le Temps Présent (integral)
- Prologue (1:36)
- Psyché Rock (2:53)
- Jéricho Jerk (2:26)
- Teen Tonic (2:42)
- Too Fortiche (2:56)

Daime Musick

Depois de termos viajado até ao outro lado do outro lado do atlântico, explorado a Tropicália e as aventuras e desventuras da turma do "sítio do picapau tecnicolor", no dia 26 de Fevereiro de 2009 o Laboratório Chimico apresentou o segundo capítulo da epístola psicodélica brasileira.


Temas retirados de compilações dedicadas ao tropicalismo facultaram um ponto de ligação entre o passado recente e o presente distante, servindo igualmente de pano de fundo para a experiência laboratorial a realizar: a relação entre o psicadelismo e a religião num dos países cuja bandeira é das poucas no mundo que não integra a cor vermelha ou negra, símbolos de sangue e guerra.

Secos e Molhados - "Amor" (Brazil 70: After Tropicália)

Novos Baianos - "Tinindo Trincando" (Brazil 70: After Tropicália)

Gilberto Gil e Caetano Veloso - "Dada" (Tropicalia 2)

O primeiro versículo musical debruçou-se sobre o Santo Daime, uma manifestação religiosa que surgiu nas profundezas da amazónia durante as primeiras décadas do século XX e que tem como base o uso sacramental da Ayahuasca, uma bebida enteógena que cataliza processos alucinatórios com o objectivo da cura e bem-estar espiritual dos praticantes. O motivo pelo qual abordamos o Santo Daime, prende-se com o facto da sua prática litúrgica ser essencialmente musical e consistir no canto de hinos, acompanhados por violões, tambores, flautas, teclados e maracás. Aliás toda a "doutrina da floresta" é transmitida de adepto para adepto através destes hinários. Durante o programa, para além dos hinários, foi possível escutar um excerto de uma gravação de Mestre Ireneu, descendente de escravos, lavrador, e fundador do Santo Daime.

Santo Daime - "Rogativo dos Mortos" (Santa Missa do Mestre Ireneu)

"Gravações Audio do Mestre Ireneu"

Santo Daime - "Sem Título" (Madrinha Christina)


O segundo versículo abordou as actividades da Comunidade S8, uma banda conceptual formada em 1971 pela comunidade homónima sediada no Rio de Janeiro de forte pendor religioso que se dedica a advertir as camadas jovens para os riscos inerentes ao consumo abusivo de drogas. Pelo caminho, esta banda haveria de gravar alguns discos de interesse para qualquer apreciador de rock progressivo.

Comunidade S8 - "O Rio das Águas que Saram" (O Rio das Águas que Saram)

Comunidade S8 - "Para Onde Foi o Teu Amado" (O Rio das Águas que Saram)

O terceiro e último versículo musical foi dedicado ao grupo Os Meninos de Deus, uma comunidade religiosa originária dos Estados Unidos, que encontrou no Brasil um fértil terreno para se enraizar e florescer. A delegação brasileira desta organização gravou vários discos de folk psicodélico, que aqui apresentamos. "A música é uma das formas de oração mais poderosas, e quando as pessoas estiverem cantando as nossas canções, estarão de uma maneira indirecta, orando", referiam

Os Meninos de Deus - "É Só Acreditar" (Amor Nunca Falha: Capítulo 2)

Os Meninos de Deus - "Obrigado, Senhor" (Aperte... Não Sacuda)

Os Meninos de Deus - "Ce Tem Que Ser Um Menino" (Aperte... Não Sacuda)

Sacramento audiovisual:


Documento Especial: Santo Daime (parte 1, parte 2, parte 3)

Mais informações sobre Os Meninos de Deus aqui

Mais informações sobre o Santo Daime, assim como hiperligações para escutar os hinários, aqui, aqui, e aqui

USA Metaphysical Circus

A 5 de Março o Laboratorio Chimico apresentou os dois projectos musicais que Joseph Byrd liderou em 1968 e 1969, respectivamente, The United States of America e Joe Byrd and the Field Hippies. Antes, Byrd frequentara os círculos avant-garde nova-iorquinos, onde ajudou a fundar o movimento Fluxus no início da década de 60, para além de ter trabalhado com John Cage e Morton Feldman. Já em Los Angeles, integrou o New Music Workshop e deu aulas na UCLA.

Os The United States of America editaram somente um álbum, homónimo, integrando a mestria de Byrd na manipulação de artefactos electrónicos (moduladores em anel, osciladores e sintetizadores) no rock ácido da costa oeste norte-americana, tudo destilado pela voz de Dorothy Moscowitz.

Sob a denominação de Joe Byrd and the Field Hippies, Byrd idealizou o álbum The American Metaphysical Circus após o desmantelamento dos The USA. O disco está estruturado em 4 suites reveladoras de um olhar socio-político aguçado e, musicalmente, do profundo conhecimento do seu mentor sobre a história musical norte-americana. Byrd aproveitou excertos do seu trabalho prévio na produção o disco e usou a sua perícia no estúdio para gizar uma panóplia de truques e efeitos, contando também com um alinhamento de vários músicos na concepção do disco.

Durante o programa escutou-se:

The United States of America - American Metaphysical Circus; Hard Coming Love; The Garden Of Earthly Delights; Love Song for the Dead Che; Coming Down; The American Way Of Love.

Joe Byrd and the Field Hippies - The Sub-Sylvian Litanies (Kalyani; You Can't Ever Come Down; Moonsong); Invisible Man; Leisure World.
Audição em podcast aqui.

Zweistein: Trip, Flip Out, Meditation

“To be or not to be is not a question”: é o motto que gira com o vinil e não mais a pergunta existencial de Hamlet. Uma espécie de disjunção inclusiva resolvida pelas duas pedras de Zweistein a chocarem uma contra a outra, para produzir o fogo prometeico e prometido, à volta do qual a consciência se encandesce, meditando o século contemporâneo das paixões de Fausto e do enigma da Esfinge. Uma melodia simples, ritmos distantes, ecos de infância, redemoinhos oceânicos esculpidos na experiência sonora e geológica que anula a distância entre o subjectivo e o objectivo. Alucinação gnoseológica ou introspecção farmacodóxica? Ein, zwei, drei… Einstein, zweistein, dreistein… uma pedra, duas pedras, três discos…


Na já mítica lista de Nurse With Wound, bem lá no fundo alfabeticamente ordenado encontramos Zweistein: um projecto obscuro, cujas histórias contraditórias, aliadas à natureza vanguardista e experimental da música, geraram um certo culto entre os amadores de bizarrias e fizeram subir o valor dos raros exemplares que se podem encontrar em vinil de Trip/Flip Out/Meditation, editado, estranhamente, pela Phillips em 1970 e re-editado já em 2007, em CD, pela japonesa Captain Trip Records. Trata-se de um triplo LP onde cada disco é dedicado a uma das três alegadas fases de uma “trip” psicadélica: o início da viagem, a inversão do mundo, das percepções e dos seus conceitos, para chegar à meditação. Construído a partir de colagens de paisagens sonoras, sons electrónicos e manipulações recheadas de efeitos de estúdio e estranhas vozes transformadas, o milagre alquímico e electro-acústico que aí se produz teve também, alegadamente, a mão de Peter Kramper, o engenheiro de som dos gigantes do kraut, Amon Düül. O nome é uma homenagem lúdica assumida ao génio da teoria da relatividade geral: depois de Einstein segue-se numericamente Zweistein, que na verdade significa em alemão “dois pedra”. Toda esta aventura discográfica e psicotrópica foi apresentada como sendo da autoria de um tal Jacques Dorian que afinal não era senão um pseudónimo de Suzanne Doucet, uma cantora pop e apresentadora de televisão alemã com vontade de fazer algo mais experimental mas que recorreu a um nome falso para que a experiência do kraut psicadélico não afectasse a sua carreira de cançonetista. A cantora gravou o álbum inteiro com a ajuda da sua meia-irmã, Diane Doucet, e certamente de algumas gramas do ácido lisérgico muito em voga na época. Para alguns, o álbum é uma mera perda de tempo, uma amálgama de sons sem direcção musical, para outros, um disco notável de experimentações e vanguardismos “kraut”, na esteira de Amon Düül ou dos Kluster de Conrad Schnitzler.



[COSMIC DANCE, criado por Suzanne Doucet & James Bell em 1985
- usando um Fairlight Video Synthesizer.]

Seleccionámos um excerto do lado A do terceiro disco, “Point”: dedicado à fase meditativa da “trip”, o qual começa com uma fantasia atómica que explora sons electrónicos, derivando depois para uma atmosfera mais onírica que reporta a uma viagem de comboio pelas memórias de infância. Antes escutávamos um excerto de “a children’s golden dream”, do lado A do 2º disco, intitulado Wrong. O universo canta, mas nem sempre conseguimos ouvir as suas vozes. Uma canção simples é a que escutamos quando nos encontramos no limiar do micro e do macro-cosmos. Zweistein é o símbolo da superação das nossas limitações pelo alargamento da consciência otológica, quando o bico da pomba segredou o Verbo ao ventre.

A tracklist do triplo LP original:

1. IN (19:52)
a) beginning
b) analysis of tune
c) to hear inside
d) a very simple song

2. OUT (16:59)
a) misty tour
b) water sound
c) television
d) organ dreams (a very simple song)

3. WRONG (18:03)
a) children's golden dream
b) to become a child
c) children's golden dream

4. RIGHT (18:02)
a) everything returns
b) indian child
c) the theory of relativity

5. POINT (18:08)
a) atomical fantasy (electronic)
b) incarnation
c) childhood's church
d) life train
e) dream of love and death
f) atomical fantasy

6. CIRCLE (15:14)
a) verdi's soul born again
b) mind beat
c) himalaya's way
d) heaven bridge
e) out of time
f) atomical fade out

Para mais informações: Unmasking a Legend: Zweistein revealed
A página pessoal de Suzanne Doucet.

Visões na velha Albion

O Laboratorio Chimico de 18 de Feveriro foi dedicado a explorar alguma da música da Velha Albion, em particular as produções que durante a segunda metade da década de 60 e início de 70 compuseram o Folk Psicadélico Britânico.

Nesse período o folk britânico oscilava mais do que nunca entre a conservação das suas raízes pagãs e rurais, tentando perservar uma certa tradição oral emanada de um éden perdido, e a progressão através da assimilação do tráfico de influências rock e blues que chegavam da América e também de novos ritmos e instrumentos vindos do Oriente e do Norte de África. Estabeleceram-se assim pontes a unir o passado tradicional da canção britânica e as criações musicais modernas. Da ambivalência entre conservação e progressão, vivência rural e metropolitana, simplicidade e sofisticação, poder-se-á vislumbrar uma dimensão psicadélica neste limbo povoado por visões folk-rock, folk-ácido, free-folk, dark-folk ou weird-folk.

Cecil Sharp foi um dos pioneiros da preservação do folclore britânico, tentando incluir o folclore no panteão dos tesouros nacionais e levá-lo até aos currículos escolares dos petizes britânicos. Perseguiu a linhagem da genealogia da música britânica até aos Estados Unidos - onde mais tarde foram também Shirley Collins e Alan Lomax seguindo o rasto destas canções. Lomax, de resto, participou activamante nas Radio Ballads de Ewan MacColl e Peggy Seeger, programa de rádio que entre 1957 e 1964 foi transmitido pela BBC tentando traçar as rotas folk da memória colectiva britânica através da divulgação de canções, música instrumental e histórias de pessoas das franjas da sociedade.


São férteis os registos pastorais-trovadorescos que brotam dos bosques folk britânicos. Aliás, a psicadélia britânica não vivia somente do apelo lisérgico que as luzes estroboscópicas dos clubes londrinas emanavam, nem se regia pelos mesmas premissas do Summer of Love californiano ou da Swinging London: ligava-se ao passado e sintonizava-se nos seus ecos medievais e bucólicos em comunhão com a natureza, na busca de experiências em que o espírito se revela e da nostalgia dos prazeres intocados de um estado de inocência infantil.
A influência de outros filhos de Albion como Lewis Carrol, William Blake, John Milton ou John Keats sustentam este desejo de captar a aura pré-industrial perdida, habitada por um imaginário pagão que contempla a comunhão com a terra, com os deuses e com energias místicas e sobrenaturais.

Uma metáfora visual do folk inglês é o filme The Wicker Man, que Robin Hardy realizou em 1973. O filme é referido como uma influência seminal por vários grupos neo-folk actuais e é descrito como possuindo um nevoeiro pagão bem perceptível na sua banda-sonora, da responsabilidade de Paul Giovanni e os Magnet, uma banda formada para esse efeito, que criaram diversos temas com a ajuda das personagens do filme.


Durante o programa foi-se escutando:
Paul Giovanni & Magnet - Festival/Mirie It Is (The Wicker Man Original Soundtrack, 1998)
Shirley Collins & Davey Grahm - Blue Monk (Folk Roots, New Routes, 1964)
Shirley Collins - All Things Are Quite Silent (Fountain of Snow, 1992)
Tim Hart & Maddy Prior - The False Knight on the Road (Summer Solstice, 1972)
The Pantangle - Let no Man Steal Your Thyme (Solomon's Seal, 1972)
Mark Fry - The Witch (Dreaming With Alice, 1972)
The Incredible String Band - Three is a Green Crown (The Hangman´s Beatiful Daughter, 1968)
The Strawbs - Sheep (From the Witchwood, 1971)
Writting on The Wall - Buffalo (Buffalo, 1972)
Comus - Diana (First Utterance, 1970)
Paul Giovanni & Magnet - Maypole Song (The Wicker Man Original Soundtrack, 1998)


Algumas compilações que revêm o assunto:
Gather in the Mushrooms - The British Acid-Folk Underground 1968-1974 (Castle Music, 2004)
Early Morning Hush - Notes From The UK Folk Underground 1969-1976 (Sanctuary Records, 2006)
Anthems in Eden - An Anthology of British & Irish Folk 1955-1978 (Sanctuary Records, 2006)

Sítio do Picapau Tecnicolor

O Brasil, à imagem dos restantes países por esse mundo fora, assistiu na década de 60 à invasão da música psicadélica nos moldes preconizados pelos padrões norte-americano e britânico. Nessa altura floresceram inúmeros artistas e agrupamentos musicais, como Fábio ou os Analfabitles, que mimetizavam integralmente a música estrangeira que inundava os diques da música tradicional brasileira.

Em 1968 nascia um movimento cultural e artístico, com uma identidade nacional bem vincada e uma sólida base teórica conceptual, que aglutinou o psicadelismo como parte da sua linguagem heteróclita. A transmutação alquímica da arte brasileira que foi o Tropicalismo, alterou o código genético da música popular brasileira, dando origem a criaturas estilisticamente andróginas que eram, em todo o sentido da palavra, Mutantes.


A Tropicália ou Tropicalismo foi um movimento cultural brasileiro que surgiu sob os auspícios das correntes vanguardistas internacionais e da cultura popular nacional e estrangeira. O movimento tropicalista mesclou aspectos tradicionais da cultura brasileira com inovações estéticas radicais, como a musique concréte europeia, albergando igualmente objectivos sociais e políticos que causaram bastante comichão ao regime militar. Longe de ser apenas um género musical, o Tropicalismo albergava todas as artes, desde o teatro à literatura, passando pela pintura e poesia. Aliás, um dos seus conceitos fundamentais provém do Manifesto Antropófago criado pelo poeta Oswald de Andrade em 1928. Defendia-se, então, a antropofagia, ou o canibalismo cultural de todas as sociedades, como fórmula para criar algo genuinamente novo, único e brasileiro.

Uma das maiores figuras deste movimento foi Rogério Duprat, pioneiro da música electrónica e cosmopolita compositor brasileiro, que estudou com Stockhausen em Darmstadt, onde calhou ser colega de Frank Zappa. O canibalismo estético é bem evidente no seu disco "A Banda Tropicalista do Duprat", um caldo de erudição e parolice, inovação e tradição, engenho e ingenuidade, que infelizmente foi relegado para segundo plano fruto do sucesso encadeador dos discos mais famosos da Tropicália. Rogério Duprat estaria também na origem daquele que veio a ser considerado o manifesto do movimento tropicalista: o LP "Tropicália: ou Panis et Circenses", editado em 1968 e lançado numa festa multicolor organizada em São Paulo, que juntava um conjunto de notáveis e empenhados músicos brasileiros, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, e os omnipresentes Os Mutantes.



Pressões políticas conduziram ao desmembramento do Tropicalismo e ao exílio forçado das suas figuras de proa, Gilberto Gil e Caetano Veloso, em 1969. Aproximadamente uma década mais tarde, Gilberto Gil musicava o genérico de uma série televisiva infantil inspirada na obra de Monteiro Lobato que encantou gerações de crianças brasileiras e portuguesas. Tal como o seu congénere inglês Lewis Carroll, também as aventuras de Dona Benta, Narizinho, Pedrinho e o Visconde da Sabugosa não têm uma correlação directa com estados alucinatórios quimicamente induzidos, assentando antes num espaço onírico, afastado da realidade ou contacto com o exterior, e povoado por figuras míticas como o duende Saci Pêrere, o terrível demónio Cuca e a boneca de trapos Emília. Apesar disso, na história "Viagem ao Céu", Lobato Monteiro apresenta-nos os Pós de Pirlimpimpim, uma substância mágica semelhante aos preparados de Sininho que faziam voar Peter Pan na Terra do Nunca, mas bem mais poderosa, já que permitia viajar através do espaço e do tempo. Um estado de tontura inicial marcava o início da trip com Pós de Pirlimpimpim e eram o seu único efeito secundário, pois os viajantes siderais tinham sempre a garantia de regressar em segurança ao Sítio do Picapau Amarelo.


PLAYLIST DO LABORATÓRIO CHIMICO, 12 de Fevereiro de 2009:

"Hino Nacional do Brasil"
Fábio - "Lindo Sonho Delirante" (LSD: Lindo Sonho Delirante)
Analfabitles - "Magic Carpet Ride" (Compacto Duplo)
Analfabitles - "Shake" (Compacto Duplo)
Fábio - "Hino da República" (Os Frutos de Mi Tierra)
Os Mutantes - "Panis et Circenses" (Tropicália: ou Panis et Circenses)
Rogério Duprat - "Honey/Summer Rain" (A Banda Tropicalista do Duprat)
Rogério Duprat - "Lady Madonna" (A Banda Tropicalista do Duprat)
Caetano Veloso - "Enquanto Seu Lobo Não Vem" (Tropicália: ou Panis et Circenses)
Gilberto Gil - "Geléia Geral" (Tropicália: ou Panis et Circenses)
Gal Costa - "Baby" (Tropicália: ou Panis et Circenses)
Gilberto Gil - "Sítio do Picapau Amarelo" (Sítio do Picapau Amarelo Vol. 1)
"Tema de Malazarte e Zé Carneiro" (Sítio do Picapau Amarelo Vol. 2)
"Sítio do Picapau Amarelo Espacial" (Sítio do Picapau Amarelo Vol. 2)
"Tema da Iara" (Sítio do Picapau Amarelo Vol. 2)

DOWNLOAD DO PROGRAMA EM FORMATO PODCAST

Acompanhamento audiovisual


HIPERLIGAÇÕES
Sítio do Picapau Amarelo na Globo
O Mundo Mágico de Lobato
Manifesto Antropófago
Tropicália

Bananadine (The great banana hoax)



Primeiro, compra uma quantidade significativa de bananas, umas 20 ou mais. Usa bananas naturais, pois as que levam pesticidas podem causar dores de cabeça. Segundo, põe-nas no frigorífico até que a casca fique acastanhada. Descasca as bananas e faz delas o que quiseres, desde que conserves as cascas. Terceiro, raspa o interior da casca e guarda essa matéria branca para mais tarde num local protegido da luz solar e dos raios UV para evitar a sua decomposição. Quarto, põe todo o conteúdo raspado e guardado numa panela e junta água e bicarbonato de soda. Leva ao lume e ferve tudo durante umas 3 ou 4 horas até que obtenhas uma pasta consistente e sólida. Quinto, espalha essa pasta em massa folhada e coze num forno durante uns 20-30 minutos. Obterás um pó negro e fino que contém bananadine, uma substância que é psicoactiva quando fumada, devido a uma triptamina quimicamente relacionada com o LSD e o DMT.

Pelo menos, foi o que se chegou a acreditar na segunda metade dos anos 60 após uma receita muito semelhante à que acabei de descrever ter sido publicada no "Berkeley Barb", um jornal underground da contra-cultura de São Francisco, dedicado aos temas dos direitos civis e dos protestos contra a guerra do Vietnam. O sentido de humor de Max Scherr, o fundador do jornal, fez com que em Março de 1967, com o objectivo de fazer curto-circuito no sistema inquisitorial contra as drogas, se publicasse aquela receita, espalhando assim o rumor das virtudes psicadélicas das bananas e, talvez, desse modo levar as autoridades a proibir o consumo da referida fruta. Rumor que foi reforçado pouco tempo depois, quando o autor de "The Anarchist Cookbook", William Powell, acreditando na história satírica de Berkeley, incluiu a receita nesse livro, sob o tópico de “Musa Sapientum Bananadine”, o qual joga com o nome científico da banana.


De facto, a história teve algum sucesso naqueles anos, ao ponto de ser possível encontrar jovens a fumar casca de banana nos bares da moda enquanto dançavam ao som dos The Electric Prunes ou do famoso hit “Mellow Yellow” de Donovan, lançado em 1966. Esta canção incluía um verso que falava de uma banana eléctrica - “Electrical banana/Is gonna be a sudden craze” - a qual se acreditou durante muitos anos ser uma referência às potencialidades psicotrópicas da casca de banana, mas revelou-se mais tarde que a inspiração era mesmo um vibrador amarelo. O próprio Donovan desfez o mito numa entrevista na rádio e relembrou que quem provavelmente começou o rumor foi mesmo Country Joe McDonald. Aliás, o vocalista dos Country Joe and the Fish conta no seu site como é que a história terá começado na época de uns concertos em Vancouver, no Canadá quando um dos elementos da banda avançou a hipótese de as bananas conterem substâncias alucinogénias e ter convencido os restantes membros a fumar de facto as casca de banana. Aconteceu que alguém terá misturado LSD, dando a ilusão de que o efeito proviria das bananas. De regresso a São Francisco, o grupo decidiu espalhar o boato e distribuir cascas de bananas para fumar durante um dos seus concertos. “The Great Banana Hoax” haveria ainda de ser a inspiração directa de uma canção dos The Electric Prunes, no seu álbum Underground de 1967.

Durante esta crónica, ouviu-se:
Country Joe & The Fish - "Section 43" (Electric Music for the Mind and Body) 1966
Donovan - "Mellow Yellow" (Mellow Yellow) 1966
The Electric Prunes - "The Great Banana Hoax" (Underground) 1967

Um blog sobre outros rumores psicadélicos: SmokingBananaPeels

Tupi or not tupi: that is the question

Hoje o Laboratório Chimico explora o outro lado do outro lado do Atlântico:

Dreamachine

... Had a transcendental storm of color visions today in the bus going to Marseilles. We ran through along a long avenue of trees and I closed my eyes against the setting sun. An overwelming flood of intensely bright patterns in supernatural colors exploded behind my eyelids: a multidimensional kaleidoscope whirling out through space. I was swept out of time. I was out in a world of infinite number. The vision stopped abruptly as we left the trees. Was that a vision' what happened to me?

Este excerto do diário de Brion Gysin, de 21 de Dezembro de 1958, terá sido um insight perfeito para as suas pretensões de transcendência e miscigenação perceptiva. Mais tarde, a leitura de The Living Brain, livro do neurocientista William Grey Walter, sugerido pelo amigo Wiliam Burroughs, revelou as bases da ideia. Ian Sommerville, também largamente associado a essas figuras de proa da Beat Generation, leu igualmente o livro, decidindo canalizar a sua destreza técnico-científica para tentar reproduzir o efeito que Gysin descrevera:

I have made a simple flicker machine. You look at it with your eyes shut and the flicker plays over your eyelids. Visions start with a kaleidoscope of colors on a plane in front of the eyes and gradually become more complex and beautiful, breaking like surf on a shore until whole patterns of color arepounding to get in. After a while the visions were permanently behind my eyelids and I was in the middle of the whole scene with limitless patterns being generated around me. There was an almost unbearable feeling of spatial movement for a while but It was well worth getting through for I found that when itstopped I was high above the earth in a universal blaze of glory. Afterwards I found that my perception of the world around me had increased very notably. All conceptions of being dragged or tired had dropped away...

Gysin recebeu esta descrição de Sommerville em Fevereiro de 1959 e decidiu construir a Dreamachine, no Beat Hotel da rua Gît-le-Cœur, Paris. A patente foi obtida em 1961 e os resultados de tais experimento publicados no nº 2 do periódico de artes Olympia, em Janeiro de 1962. A reprodução de luzes estroboscópicas de alta potência a uma cadência específica havia sido já sugerida por Grey Walter como proporcionadora de uma actividade cerebral temporariamente distinta do funcionamento dito normal, pelo que Gysin formulou a redescoberta dos princípios da interacção directa com as ondas Alpha no cérebro humano.
A simplicidade do material apontado por Gysin para a construção de uma Dreamachine pode fazer o curioso duvidar dos efeitos apregoados: um cilindro com alguns buracos dispostos numa dada configuração, uma lâmpada de 100 watts que deverá ficar no centro do interior do cilindro e um gira-discos; quem quiser desfrutar deve sentar-se em frente a este dispositivo, de olhos fechados, sentindo o brilho intermitente da luz que atravessa os buracos do cilindro a rodopiar no gira-discos. A estimulação do nervo óptico com os feixes de luz a uma frequência constante de forma descontínua (8 a 13 flashes por segundo) induz um cenário semelhante às oscilações das já referidas ondas Alpha (cerca de 20 Hz) presentes no funcionamento cerebral tipicamente associado a estados onde impera o relaxamento (meditação, sonhos). Deve dizer-se no entanto que a utilização é desaconselhada a pessoas com epilepsia.

A Dreamachine permite uma experiência alucinogénea livre de drogas. O seu criador acreditou que tal artefacto iria revolucionar as experiências humanas conscientes, e não estava sozinho: para além dos já citados compinchas de Gysin, também Genesis B.P-Orridge, Andrew McKenzie, ou Kenneth Anger, dedicaram atenção ao fenómeno como complemento ao seu trabalho artística potenciando transições entre o consciente e o inconsciente na busca inspirada da criatividade e liberdade. Se civilizações ancestrais viam criaturas nas constelações das estrelas, é hoje aceite que o homem consegue percepcionar padrões visuais onde objectivamente não existem, sendo o seu processo mental que molda o que ele vê. Estímulos externos, como a Dreamachine, sincronizam-se com os ritmos internos do funcionamento humano, levando à sua extensão.
Embora construções fundadas em princípios geométricos capazes de transformar intrincados mosaicos brilhantes em bolas de fogo pudessem já ser imaginadas a partir de descrições de mandalas por místicos orientais, a verdade é que poucos exploraram este fenómeno. Gysin antecipou a Dreamachine como uma epifania de cut-up onírico que anunciava a fragmentação do self e sua posterior reunificação, estado que apelidou como prototípico e inspirador da co-autoria da sua Terceira Consciência. Gysin desenvolveu variantes ao seu engenho: introduziu colagens e pinturas do universo cabalístico e mágico num cilindro interior através do qual o visionamento das imagens de olhos abertos permitia a externalização dos padrões visuais percepcionados. A Dreamachine traduz-se então como um catalisador perceptivo capaz de estabelecer pontes subconscientes entre o abismo que separa o sono dos estados vigilantes. Os seus apreciadores representam-na como epitomizando a supressão do controlo e da manipulação da percepção, da sexualidade e da culpa.

Os efeitos descritos da exposição à Dreamachine incluem visões de formas variadas e brilhantes padrões geométricos em constante mutação que parecem ser pojectadas "dentro" do utilizador, colorindo totalmente o seu campo de visão. Uma exposição prolongada pode intensificar estas sensações alterando a percepção espacio-temporal e induzindo um estado de profundo relaxamento. Complementos sonoros são igualmente susceptíveis de potenciar o efeito da Dreamachine, sobretudo a audição de padrões rítmicos e tímbricos relativamente homogéneos e sem mudanças abruptas.
Foi esse o mote deixado no programa de 5 de Fevereiro, com o seguinte alinhamento sonoro:

Brion Gysin - Thoughts on Dreamachine (Recordings 1960-1981)The Hafler Trio & Psychic TV - Part I, II e III (Sounds to Enhance the Effect os Brion Gysin's Dreamachine)
Throbbing Gristle - Dreamachine (Heathen Earth)
The Master Musicians of Jajouka - Siri Harid Sherk (The Master Musicians of Jajouka)
Inside the Dream Syndicate - Part I: The Day of Niagara
Music for Dreamachine vol. 1 (CDr Aalypsia, 10111.org)


Este é o caminho para ouvir o programa em formato podcast.

Outras informações:
Aqui, informações de um colectivo internacional de artistas multimédia que se dedica a explorar as virtualidades deixadas em aberto pela criação de Brion Gysin no campo do som, da imagem, da exploração teórica e prática da utilização da Dreamachine e da sua divulgação.
Aqui pode saber-se mais sobre o recentemente galardoado documentário de Nik Sheehan sobre a vida de Brion Gysin, em particular a Dreamachine.
Aqui, inforrmações sobre o primeiro filme de Tony Conrad, The Flicker.
Download das faixas do disco de The Hafler Trio & The Temple of Psychic Youth, 1, 2, 3, e respectivo livro informativo.
Aqui pode encontrar-se um guia para a construção de uma Dreamachine. Tudo e mais alguma coisa.