Assombrologia

"Hauntology", neologismo criado por Jacques Derrida em 1993 na obra "Spectres Of Marx", expressa uma ideia filosófica da relação entre passado e presente, agregando as palavras "Haunt" e "Ontology", referindo-se à qualidade paradoxal do espectro, que nem existe nem deixa de existir. Este termo foi apropriado por Simon Reynolds num artigo de Novembro de 2006 da revista Wire para descrever um estilo retrofuturista, com laivos de esoterismo e paganismo, que fazem dos espectros da Grã-Bretanha do passado recente os seus melhores amigos. Resumidamente, podemos identificar dois eixos desta música assombrada. Um eixo vertical, que percorre os anos para alcançar as raízes deste género, em grupos como Broadcast e Boards Of Canada, e um eixo horizontal, que agrega as suas manifestações contemporâneas e que pode ser decomposto em três partes: a editora Ghost Box, os esforços individuais de Mordant Music e The Caretaker, e a editora Trunk Records.


Broadcast - "Test Area" (Future Crayon)
Boards Of Canada - "Telephasic Workshop" (Music Has The Right To Children)
Boards Of Canada - "A is to B as B is to C" (Geogaddi)
Belbury Poly - "Scarlet Ceremony" (The Owl's Map)
The Focus Group - "Through The Green Lens" (We Are All Pan's People)
Eric Zann - "Dols" (Ouroborindra)
The Advisory Circle - "Farmland, Freeland" (Other Channels)
Mount Vernon Arts Labs - "Dashwoods Reverie" (The Séance At Hobs Lane)
Mordant Music - "Hey Volte-Face" (Symptoms)
The Caretaker - "Lacunar Amnesia" (Persistent Repetition Of Phrases)
Vernon Elliot - "A Clangers Opera, Act One" (The Clangers)
Jonny Trunk - "How Sweet It Is" (Scrapbook)
Broadcast and The Focus Group - "The Be Colony" (Broadcast and The Focus Group Investigate The Witch Cults Of The Radio Age)



Suave Cosmos: Easy-Listening From Outer Space

Se as raízes da Space Music podem ser traçadas até ao séc. XVIII, a verdadeira explosão do género ocorreu imediatamente no período após a segunda grande guerra, com o pano de fundo da corrida ao espaço protagonizada pelos dois grandes blocos mundiais, sob a égide das possibilidades antevistas nos foguetões do Prof. Von Braun - os famigerados V-2 - que durante o conflito espalharam o terror e a morte, mas que podiam agora transportar a humanidade a outras paragens no grande infinito.


O bombardeamento perceptivo que assolou o mundo, com estereofonia e televisão acompanhando de perto todas as evoluções da corrida mais louca para outro mundo, traduziu-se em angústia, a qual foi posteriormente transformada em criações musicais pelas mentes mais desenvoltas. Em 1947, os Buchanan Brothers associavam o avistamento dos famosos discos voadores à eminência do apocalipse nuclear e das ogivas transportadas por foguetões, num 45'' intitulado "(When You See) Those Flying Saucers". Outras harmonizações, mais optimistas, emergiram, como por exemplo "Music Out Of The Moon" de Les Baxter, um disco pontuado pelo Theremin, obscuro e fascinante instrumento proveniente do outro lado da cortina de ferro. Afinal não eram apenas armas de destruição maciça que cruzavam os céus. Rezam as crónicas que Neil Armstrong insistiu em transportar este registo consigo na missão espacial Apolo 11.



Em 1955, Jackie Gleason, grande entusiasta da mitologia UFO, lança o álbum "Lonesome Echo", o qual envergava uma capa desenhada pelo grande explorador do espaço inconsciente, Salvador Dali, que evocava espaço, angústia e solidão. Estava encontrada a musa inspiradora perfeita para o cruzamento do easy-listening com as influências cósmicas, aquela que foi ignorada por Narciso, definhando até ao ponto que só a sua voz existia, condenada para toda a eternidade a repetir as últimas palavras das frases que ouvia: Eco. O eco é a reflexão do som e este reflexo implica, de alguma maneira, um espaço físico, que era agora mimetizado pelo som estéreo. Designações como Living Stereo Series da RCA, Full Frequency Range Recording da Decca, Full Dimensional Stereo da Columbia, Visual Sound Stereo da Columbia e Living Presence Series da Mercury passaram a adornar as capas dos discos, prometendo uma viagem por outros mundos através da simulação de espaço no som.


O eco implica igualmente uma repetição, a qual é metaforizada nas inúmeras versões de "Stella By Starlight" que encontramos nestes vinis. Arthur Ferrante e Louis Teicher fizeram amplo uso do estéreo em "Blast Off!" de 1956, priveligiando pianos preparados, e antecipando assim a emergência dos sintetizadores como forma de produzir sons estranhos e bizarros que evocassem um sentimento extraterresterial. Franck Comstock, Dick Hyman, The Ames Brothers e Juan Garcia Esquivel, todos eles traçaram igualmente este caminho experimental, aliando inovação tecnológica com melodias easy listening, catapultando o modesto habitante dos subúrbios para a Lua, Marte e Vénus, Saturno e Urano. Esta maravilhosa viagem teve, contudo, o seu fim com a emergência do rock psicadélico associada a uma outra forma de viajar pelo cosmos conseguida através da ingestão de substâncias alucinógeneas.

Foi este o plano de viagem pelo Laboratório Chimico a propósito desta temática:
Victor Young & Orchestra - "Stella By Starlight" (Love Letters)

Miles Davis - "Stella By Starlight" (1958 Miles)
The Georgia Catamounts and The Buchanan Brothers - "(When You See) Those Flying Saucers" (Brain In a Box)
Les Baxter - "Lunar Rhapsody" (Music Out Of The Moon)
Les Baxter - "Moon Moods" (Music Out Of The Moon)
Ferrante & Teicher - "How High The Moon" (Blast Off!)
Ferrante & Teicher - "Beyond The Blue Horizon" (Blast Off!)
Frank Comstock - "Out Of This World" (Project Comstock: Music From Outer Space)
Frank Comstock - "Stella By Starlight" (Project Comstock: Music From Outer Space)
Dick Hyman - "Maid Of The Moon" (Moon Gas)
Dick Hyman - "Stella By Starlight" (Moon Gas)
Jackie Gleason - "I Wished On The Moon" (Lonesome Echo)
The Ames Brothers - "Destination Moon" (Destination Moon)
Juan Garcia Esquivel - "April In Portugal" (Other Worlds, Other Sounds)
Les Baxter - "Shooting Star" (Space Escapade)