Shdply Records, International Artists e...


Final de tarde de 10 de Setembro com início de recurso - Skullflower -, mas logo com o azimute apontado a uma ponte diacrónica e sincrónica que edificámos entre Northfolk, Virginia, e Houston, Texas, respectivamente, as cidades que albergam a Shdply Records e a defunta International Artists (embora no programa se tenha nomeado Austin, e não Houston...). A primeira edita grupos como os Super Vacations, Sore Eros ou Gary War, com discos lançados por estes anos, enquanto a segunda foi a casa-mãe de nomes incontornáveis da primeira vaga da psicadélia norte-americana, como The Red Krayola, 13 Floor Elevators ou The Golden Dawn - em ambos os casos, mencionando apenas os grupos que ouvimos. Pelo meio, tempo e espaço para escutarmos também um tema de Syd Barret, porque sim.


Ouvir aqui.

August pleasant


A 20 de Agosto ouviu-se:


Sun Araw - Heavy Deeds (Heavy Deeds, 2009)
Predator Vision - Real Aliens (Predator Vision & Sun Araw split, 2009)
High Wolf - The Boto (Animal Totem, 2009)
Peaking Lights - Owls Barning(Imaginary Falcons, 2009)
Gary War - Cyclop Eye (New Raytheonport, 2008)
Gary War - See Right Through (Horribles Parade, 2009)
Ducktails - Beach Boy Pleasant (Ducktails, 2009)
Ducktails - Friends (Ducktails, 2009)



Para ouvir é por aqui.

Les Shadoks



Há muito muito tempo, num mundo exclusivamente a duas dimensões, existia o povo dos Shadoks, que vivia no planeta à esquerda do céu, e o dos Gibis, que habitava o planeta da direita. Nenhum desses planetas era porém muito funcional: o planeta Shadok mudava constantemente de forma, provocando a queda acidental de alguns Shadoks no vazio interstelar; o planeta Gibi era chato e desequilibrado, de modo que, se os Gibis se ajuntassem em grande número num dos lados, faziam com que alguns acabassem por cair. No universo geocêntrico dos Shadoks existia no meio do céu um planeta grande e alegadamente vazio, ou seja, a Terra, que era relativamente equidistante dos planetas da esquerda e da direita, e que, ao contrário destes, parecia funcionar bem. Tanto os Shadoks como os Gibis decidiram migrar para a Terra. Mas isso não era fácil. Os Shadoks, apesar de serem pássaros, muito maus e estúpidos, possuíam duas asas ridiculamente minúsculas que não lhes permitiam voar, pelo que, quando tentavam viajar para fora do planeta, acabavam por cair. Os Gibis não possuíam asas, acabando por cair também mas, muito simpáticos e inteligentes, cedo começaram a construir um foguetão que lhes permitiria emigrar. Enquanto, os Gibis usavam da mais recente tecnologia e conseguiam a partir da atmosfera produzir um potente combustível chamado Cosmogol 999, o Professor Shadoko, o mais inteligente cientista dos Shadoks, construiu com coisas e tralhas um foguetão pesadíssimo para o qual não possuía combustível. Habituados a bombear (ZoGa, em shadokiano) por tudo e por nada, os Shadoks foram requisitados em massa para, numa imensa máquina inventada pelo Prof. Shadoko, bombear e assim aspirar o Cosmogol 999 dos Gibis através do espaço para obter o combustível de que necessitavam. A sua natural incompetência e estupidez causaram gargalhadas no planeta e rival e deram aos seus habitantes a oportunidade de gozarem umas férias no campo até eu os Shadoks percebessem que os seus esforços eram vãos…

O primeiro episódio da série de animação Les Shadoks foi emitido na televisão francesa, ORTF, apenas alguns dias antes de rebentar a crise estudantil do Maio de 68 e também ela iria mais tarde dividir os franceses entre shadokófilos e shadokófobos. Criada pelo animador Jacques Rouxel que entrara em 1965 para o departamento de investigação da ORTF e ajudara a desenvolver o “Animographe” de Jean Dejoux que permitiu criar os primeiros episódios, Les Shadoks contava ainda com a sonoplastia de Robert Cohen-Solal, membro do GRM, outra secção daquele departamento da ORTF, onde na década anterior Pierre Schaeffer havia inventado a Música Concreta, também com a voz do narrador Claude Piéplu e com algumas vocalizações bizarras de Jean Cohen-Solal, irmão do autor da banda sonora e um dos digníssimos nomes incluídos na lista de Nurse With Wound. Nascida de tão ilustres investigadores e artistas, a animação respirava o experimentalismo vanguardista, mas também o desconcertante humor surrealista e a lógica patafísica que pareciam fazer ressoar essas experiências de libertação da mente e dos costumes que caracterizaram a cultura dos anos 60. A aparente simplicidade e informalidade do traço dos desenhos e primitivismo da animação escondem, no entanto, níveis escondidos abertos à interpretação geopolítica da série. Parece evidente que os Shadoks simbolizam os franceses e as suas idiossincrasias numa visão auto-crítica e auto-derrisória, enquanto os Gibis, que usam sempre o chapéu de coco – de onde provém a sua inteligência e sanidade mental -, aludem aos ingleses, eternos rivais de Além- Mancha. Mas outras leituras foram feitas que tomavam os desenhos como uma alegoria surreal dos anos cinzentos da Guerra-fria.

Sendo esta uma crónica de rádio, destacámos sobretudo a banda sonora de Cohen-Solal, da qual ouvimos em fundo uma adaptação concertante feita para uma compilação dos arquivos do GRM, dedicada aos sons fabricados nos estúdios da ORTF por Bernard Parmegiani, Luc Ferrari, entre outros nomes, que foram usados em rádio, televisão ou mesmo na sonorização urbana dos transportes públicos franceses.

Catch-Wave (Takehisa Kosugi)

A heterodinagem é um fenómeno, estudado no âmbito do processamento de sinais e das ondas electromagnéticas, que consiste na geração de novas frequências pela mistura ou multiplicação de ondas produzidas por diferentes osciladores e a sua combinação resulta da aplicação das propriedades da função seno. Fascinado pelas consequências electro-acústicas da aplicação deste conhecimento trigonométrico, Takehisa Kosugi compôs as duas peças que constituem o seu mais celebrado disco “Catch-Wave”, gravado entre 16 e 17 de Setembro de 1974 e editado no ano seguinte. Violinista e musicólogo de formação, Kosugi electrificou o seu instrumento de eleição, em “Mano Dharma”, peça que constitui o lado A do disco, para improvisar, juntamente com as ondas produzidas por osciladores modificados por vento e luz, por rádio-transmissores e pelas próprias cordas vocais captadas pelo microfone, uma espécie de bailado electromagnético que se expande pelo estúdio, resultando numa instalação dinâmica inter-media, a qual haveria de reproduzir, aliás, em 1997, numa re-interpretação da instalação sonora dos anos 70.

Criador de instalações e performances, misturando vários media, com a ajuda de objectos do dia-a-dia, devidamente transformados e recontextualizados pela tecnologia electrónica, tem, desde os anos 60, quando fundou o Group Ongaku de música, teatro e happenings anti-musicais, ou quando foi reconhecido pelo movimento Fluxus, ou ainda, quando se tornou compositor/performer oficial da companhia de bailado do coreógrafo norte-americano Merce Cunningham (recentemente falecido), explorado as possibilidades da espacialização do som, como se pode constatar nesta faixa que escutamos já em fundo e, já de seguida, na faixa que constitui o lado B, “Wave Code #e-1”, onde uma frase vocal é gravada e manipulada electronicamente até à exaustão e à sua total irreconhecibilidade, fundindo-se por heterodinagem com as outras fontes sonoras em novas frequências que resultam da sua respectiva soma e diferença.



Takehisa Kosugi foi ainda membro do grupo de improvisação Taj Mahal Travellers, desde 1969 até meados de 70’s, altura em que o grupo se dissolveu e o violinista integrou a companhia de bailado já referida. Apesar da liberdade dos processos criativos de que sempre foi adepto, da inspiração meditativo-transcendental – evidente na peça "Mano-Dharma", ou seja, a expressão budista que designa “o desejo que nasce na mente” ou “especulação” - e do potencial sonoro alotrópico das suas composições, Kosugi recusou sempre a catalogação da sua música como psicadélica, alegando que essa música implica a produção de efeitos psicológicos alucinatórios que recusa estarem presentes nas suas intenções musicais. Não obstante, esta distanciação alegada pelo compositor, a verdade é que a sua produção musical ficou para sempre como inspiração de grande parte da música psicadélica produzida no Japão e ainda hoje é um ponto incontornável de referência neste capítulo da história do psicadelismo internacional. Fiquemos, portanto, com o lado B, “Wave Code #e-1”, de “Catch Wave”, por Takehisa Kosugi.

Kawabata Makoto, ou como vislumbrar o outro lado do céu


Depois de nos determos pelo planeta Acid Mothers Temple (AMT), demos também um fugaz olhar por alguns satélites que gravitam em torno daquele colectivo. A nossa atenção logo recaíu em Kawabata Makoto e na sua gnose artística idiossincrática, desde que em tenra idade iniciou as suas explorações sónicas sob a denominação de Ankoku Kakumei Kyodotai (Dark Revolution Collective) e mais tarde Baroque Bordello. Ao longo do programa pudemos escutar algumas amostras da sua incessante proficuidade, também como colaborador noutros projectos que fazem parte da numerosa família alargada dos AMT, como os Seikazoku, Musica Transonic, Andromelos ou Uchu, e de projectos que partilham afinidades estéticas e cósmicas com os AMT, como os The Wild Riders ou Magic Aum Gigi.


Em baixo, uma entrevista de Nuno Loureiro a Kawabata Makoto inspirada pela sua última passagem por Portugal, em Abril de 2008, integrando o Japanese New Music Festival, que decorreu na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, num festim psicadélico que contou igualmente com a presença do baterista Tatsuya Yoshida.



The cosmic troubadour





Acid Mothers Temple, and its variations, is only the better known of the multiple travels of Kawabata Makoto through the world of sound. One of the most iconic figures of the Japanese underground in the last 30 years, he speaks, in a brief conversation with GPInformation, of his work’s body and soul.

Let’s start by your present work. In what are you working these days, both solo and with other projects?
I'm working for recording of Acid Mothers Temple & The Cosmic Inferno's (AMT & TCI) new albums right now. We also will be touring in UK & Ireland from 30th July for two weeks.
I'm working for AMT & TCI's live new DVD and new live album too. These live materials are including our new drummer & vocalist Pikachu, from Afrirampo!! I'm really looking forward to introduce her to all Acid Brothers & Sisters in the world!!

Having such a wide artistic activity, with all these different projects, what do you try to explore when playing solo?
All of my music has come from my cosmos to me. So, I try to be just like a good radio receiver and try to reenact this music truthfully to people. That's all...

Which kind of extra-musical experiences do you feel, while performing both live and on studio? In which way do you consider it to be connected with improvisation?
I always can receive and listen to music from my cosmos both live and studio. I don't consider anything, I just try to be a good radio receiver and try to play this music truthfully in each moment.

When listening (mainly) to your solo work, it is possible to notice aesthetic influences that can placed beyond the psychedelic universe. Which images and sounds would you point out, at this level?
What does mean that psychedelic universe that you mentioned? Anyway, I only care about my cosmos and music from there... But there's no problem that anyone feel and imagine anything from my music... Because this is music!

Is spirituality an important aspect of your work?
My cosmos and dreams...

Do your different collaborations with other artists reflect, in any way, the communal aspect of your life attitude?
I can understand what I have to play in each moment by moment, even if I play with anyone... My cosmos always teaches me what I should play...

After 30 years, is it easy for you to make an evaluation of your career?
Hummm... I'm not interested in any evaluation... Anyway, if I die, I really want that everyone who knows me will forget everything about me then!!...

Once we’re talking of the past, in which way do your early sound works reflect itselves on what you’re developing nowadays?
I think that there was only just one difference... At the time, I had not enough technique on playing instruments and not enough sense to understand music from my cosmos...

It is curious to see how you do produce sound from non-conventional sources, like clothes zippers, as you’ve recently done at the Akaten show in Lisbon. What’s you vision on what can be considered as a musical instrument?
First than all, I have to explain one thing: I'm not an official member of Akaten. Akaten are Ruins drummer Yoshida and AMT & TMP U.F.O.'s bassist Tsuyama. On their last tour, Tsuyama couldn't come (because he got a very serious illness just before the tour), so I played instead of him... But, of course, between Tsuyama and I we had some different ideas for playing even the same instruments, like pet bottle...
When I started my music, in 1978, I didn't have any instruments... So, I had to make instruments by my hands... I don't care about any instruments... I'm only interested in sounds. So, if I hear some sounds that I've never heard before, from my cosmos, then I have to find instruments what can reenact these sounds truthfully... It means that there is the possibility that anything can be an instrument for me.


Interview by Nuno Loureiro (June 2008)


Ouvir aqui.