A Journey to Avebury (Jarman/Coil)



A linha do horizonte conforma-se às suaves colinas que enrugam os vales do Wiltshire, dividindo um céu ocre, assombrado por sulfurosas nuvens que filtram a luz do ocaso, e uma paisagem negro-esverdeada arável e desnudada, apenas interrompida por parcos arbustos, um ou outro rebanho, uma vaca surpreendida pelo observador e pedras fálicas que resistem à observação, devolvendo um silêncio secreto e misterioso. Os pássaros chilreiam e a ligeira brisa denuncia esses planos fixos todavia rápidos e segmentados, que nos proporcionam uma panorâmica caleidoscópica desse local atávico e enigmático que é Avebury, no sul da Inglaterra. A poucos quilómetros de Stonehenge, trata-se de um dos maiores monumentos megalíticos da Europa, apesar da sua sobriedade e discrição, a qual aliás permitiu à pequena localidade, com o mesmo nome, o seu aparecimento nos intervalos vibrantes entre as pedras sarsen: enormes blocos de sílica dispostos ritmicamente num grande círculo com cerca de 400 metros, de onde derivavam duas avenidas, ladeadas pelos megalitos, serpenteando na paisagem até a um alegado santuário do neolítico, na ponta de uma delas, ainda hoje visível, e eventualmente outro cromeleque, na ponta da outra, que malogradamente fora destruída ao longo dos últimos séculos, restando ali apenas duas Longstones, baptizadas entretanto “Adão” e “Eva”. Devido à morfologia das pedras e à imaginação dos observadores, alguns decidiram reconhecer nelas a importância da diferença sexual nas cerimónias e rituais dos homens do Neolítico, outros conseguiram identificar nelas rostos esculpidos, mas a distância de quase 5000 anos, que nos separa da época em que terão sido levantadas e dispostas, não permite descer facilmente do registo especulativo das conjecturas. Os ossos humanos encontrados apontam para o carácter fúnebre dos “menhirs”, como o das antas que se encontram no nosso país, mas a disposição geométrica das pedras, a forma circular da vala que rodeia o grande cromeleque e ainda a localização de Silbury Hill - um monte artificial, construído na mesma época, o qual se situa no centro da hipotenusa de um virtual triângulo de que o círculo de pedras seria o vértice e as avenidas os lados – essa disposição, dizia eu, remete para a hipótese de uma função de observação astronómica, que não é incompatível, bem pelo contrário, com a dimensão religiosa, ritual e fúnebre do monumento.


Journey to avebury por zohilof

Tudo isto inspirou com certeza Derek Jarman quando, em 1971, pegou na sua câmara de 8 mm para contemplar, com os seus olhos de jovem pintor, oriundo da Slade School of Art, e a lógica esotérica de um fascinado pela simbólica e o oculto, a paisagem idílica de Avebury e os discretos megalitos que a compõem. “A Journey to Avebury” é, como o nome indica, uma experiência que nos transporta pelos trilhos enigmáticos traçados há milhares de anos por homens rudes mas não menos imersos nos mistérios da existência e da sua relação com as conformações e os movimentos do universo. Apesar de ser formalmente um filme – curto, com apenas 10 minutos de duração – os planos, todos eles fixos, poderiam ter sido pintados na tela, já que parecem ser herdeiros da tradição inglesa do “landscape” de Gainsborough ou Constable, mas com a visão alucinatória de William Blake e a luz metafísica de Turner. As características do 8 mm favorecem esta percepção onírica e ao mesmo tempo doméstica – Jarman chamava a estes primeiros filmes “homemovies” – e uma certa indefinição focal esbate as fronteiras do sonho e da vigília contemplativa, favorável a uma interpretação psicotrópica das imagens, que reflectem, na memória daqueles que as conhecem, as filmagens da primeira trip de LSD de Syd Barrett. Para isso contribui ainda a banda sonora criada em meados dos anos 90 pelos amigos e colaboradores do realizador, nada mais nada menos que os COIL, que para além da amizade partilhavam o fascínio pelo oculto e pelo simbolismo mágico daqueles megalitos.



Hipnótica, atópica mas circular, algures entre o krautrock e o glitch, tornou-se a banda sonora adequada para este breve filme, que corta com a narrativa convencional para expor uma série de planos, de enquadramentos, de molduras, numa visão obcecante e obcecada daquela paisagem terrena, mas cortada do mundo por linhas invisíveis que dividem o profano do sagrado e ligam o passado com o futuro, numa montagem em espiral, sem princípio nem fim, serpenteando como ácido desoxirribonucleico pelas avenidas megalíticas de Avebury, para criar em conjunto um tropo eléctrico pastoril.

Psychedelisches Welthauptstadt

A 9 de Julho o Laboratório Chímico deambulou por territórios conhecidos e já projectados, agora recuperadas sob lentes psicadélicas. Escutou-se:

Amon Düül - Big Sound (Die Show der Blaumeisen) & Krawall (Repressiver Montag) (Collapsing Singvögel Rückwarts & Co, 1969)
Cosmic Jokers - Galactic Supermarket I (Galactic Supermarket, 1974)
Indicativo Kosmos!
Cosmic Jokers - Galactic Supermarket II (Galactic Supermarket, 1974)
Damenbaart - Bewussteinserweiterung (Impressionen, 1971)
Deuter - Khrishna Eating Fish (D, 1971)
Eroc - Horrogoll (Eroc, 1974)
Golem - Stellar Launch (Orion Awakes, 1973)
Walter Wegmüller - Der Magier (Tarot, 1974)
Ash Ra Tempel & Timothy Leary (Space, exct.) (Seven Up, 1974)
Sand - Helicopter (Golem, 1974)

Ouvir aqui.

As Portas da Percepção

No dia 2 de Julho de 2009, Vasco Otero (Cinemusicorium) presenteou-nos com um Laboratório Chimico dedicado ao livro "As Portas da Percepção / Céu e Inferno" de Aldous Huxley, editado em Portugal pela Via Óptima em 2008.

Dois importantes ensaios sobre o efeito da ingestão de drogas e suas implicações mentais e éticas. N'as portas da percepção, de 1954, o romancista inglês descreve suas experiências pessoais com mescalina, alcalóide extraído de um cacto mexicano, sob supervisão médica, enquanto que em céu e inferno, de 1956, faz uma análise crítica do uso de drogas. O autor constata que, se as alucinações produzidas pela droga podem alcançar uma atmosfera mística, também podem conduzir o paciente às margens da auto-aniquilação.

"If the doors of perception were cleansed everything would appear to man as it is, infinite."
William Blake

Baseando-se nesta citação, Huxley assume que o cérebro humano filtra a realidade de modo a não permitir a inundação sensorial de todas as impressões e imagens que existem efectivamente na realidade perceptível. Se tal hecatombe acontecesse, o processamento de uma tão grande quantidade de informação seria simplesmente insuportável para o ser humano. De acordo com esta perspectiva, as drogas poderiam reduzir esse processo de filtragem, ou "abrir as portas da percepção", como é dito metaforicamente. Com o intuito de verificar esta teoria, Huxley começou a tomar mescalina e a descrever os seus pensamentos e sentimentos sob o efeito da droga. A sua principal conclusão será a de que os objectos do nosso quotidiano perdem a sua funcionalidade, passando a existir "por si mesmos". Além de drogas ou substâncias psicotrópicas como a mescalina, o LSD, a psilocibina, etc, outras formas citadas para a abertura das portas da percepção seriam: períodos prolongados de silêncio e isolamento, jejuns prolongados e auto-flagelações. O livro foi a fonte de inspiração para o nome da banda The Doors, que apresenta, no conjunto, uma obra com características similares às do livro.

Na edição da Via Óptima, o céu e inferno segue-se imediatamente à obra supracitada, embora seja um livro distinto. Aqui Huxley afirma a existência de alternativas, caminhos paralelos ou vias diferentes, referindo que não precisamos necessariamente de substâncias alucinógenas para conhecer o Outro Mundo, assim denominado pelo autor. Várias coisas são arrebatadoras para os antípodas da mente, como as obras de arte, as abstinências, autoflagelações, ou mesmo, muito simplesmente, as orações. Todos estas acções voluntárias, sem excepção, alteram a bioquímica do corpo produzindo efeitos iguais aos do ácido lisérgico ou da mescalina. O livro é ainda devedor das formulações Jungianas de arquétipos colectivos, revelando o motivo dos simbolismos religiosos, característicos em todas as culturas.
Além de descrever com mestria os efeitos da utilização de drogas alucinógeneas, Huxley faz um tratado sobre o uso de drogas e várias questões referentes ao tema são equacionadas, numa obra ímpar para se entender mais sobre a utilização de drogas.

Vasco Otero

Audição do programa em podcast aqui.
Mais informações assim como versões dos textos em pdf podem ser encontradas aqui
Aldous Huxley e o nascimento do psicadelismo aqui

Psych me Lord!

A 18 de Junho o Laboratorio Chimico dedicou-se a experimentar alguns discos de música psicadélica cristã. A fanzine Galactic Zoo Dossier providenciou o substrato inspirador para a exploração deste segmento da psicadelia movido pela fé cristã, surgido sobretudo nos Estados Unidos na segunda metade da década de 60. As gravações resultaram da actividade de alguns grupos/comunas que brotaram do caldeirão americano da década de 60, e de pastores e reverendos que ora celebravam manifestos radiofónicos, ora se associavam a grupos folk-rock.


Alinhamento do programa:
Sounds of Salvation - Jesus is the Rock & Overseas & Psalm 94 (Sounds of Salvation, 1974)
The Search Party - You and I (exct.) (Montgomery Chapel, 1968)
The Search Party - Speak to Me (Montgomery Chapel, 1968)
Pastor John Rydgren - Hippy Version of the 23rd Psalm & Music to Watch the Girls By & The Lord is My Sheperd (Silhouete Segments, 1968)
Christian Yoga Church - s/t (Turn On, Music For the Hip at Heart, 1967)
Azitis - Judgement Day (Help, 1970)
The Christ Trees/The Trees Comunity - Village Orchestra & The Parable of the Mustard Seed and Trees Chant & Psalm 42 (exct.) (The Christ Tree, 1975)

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