Todd Schorr (Lowbrow Dreamland)

Preocupado com um mundo onde o perigo espreita a todo o momento, um Humpty-Dumpty ciclópico e coroado pondera, à beira de uma falésia, sobre a fragilidade e beleza da vida, contemplando uma estrela-do-mar espraiada na palma da sua mão. Por detrás, uma nuvem em forma de cogumelo atómico ameaça distante e silenciosa uma paisagem natural sublime. “Antidote for a worrysome world” é o título desta pintura em acrílico sobre painel do artista norte-americano Todd Schorr. As cores vivas e as formas pneumáticas do personagem convocam o universo fílmico de Walt Disney, mas o dilema existencial desse ovo de um só olho, colocado perante o abismo, ressoa a angústia daquele príncipe da Dinamarca, na peça de Shakespeare, que hesita com a caveira do seu bobo – Yorick - na palma da mão. Num outro quadro – “The Spectre of Monster Appeal” -, uma criança minúscula é exposta, à entrada de uma feira popular, com uma pletórica confusão de monstros, figuras fantásticas dos filmes de terror, criaturas de revistas de ficção-científica, desenhos animados deformados pelo vigor e ritmo das cores e traços do artista que retrata, de modo auto-afectivo, a vida ígnea e borbulhante da sua própria imaginação, atormentada desde muito cedo pelas imagens projectadas pelo ávido consumo de televisão, cinema e banda-desenhada. Numa outra tela - The Clash of Holidays -, que gerou alguma polémica nos meios mais tradicionais de uma comunidade de Palm Beach, no sul da Flórida, Schorr representa os ícones das festas tradicionais, o Pai Natal e o Coelho da Páscoa degladiando-se ferozmente, com um punhal e um machado ensanguentados nas suas mãos, enquanto o Menino Jesus, coroado de espinhos, se lambuza com uma orelha de chocolate e Rudolph, a rena natalícia de nariz vermelho, contempla despreocupadamente o combate.



A arte de Todd Schorr explora, portanto, a violência latente e por vezes patente da cultura popular, veiculada pelos media, sobretudo a que tem a ver com as imagens injectadas nos mais jovens e adolescentes, recontextualizando-a em cenários hiper-realistas e com óbvias referências à matriz judaico-cristã dessa mesma cultura. Neste sentido, trata-se quase de um trabalho de exorcismo e interpretação psicanalítica das dinâmicas do desejo que perpassam a cultura de massas. Este tipo de arte tem sido enquadrado num movimento artístico que recebeu o nome de Lowbrow ou Pop Surrealism. Na verdade, a Lowbrow art é precisamente aquela que se opõe à Highbrow art, ou seja, às belas artes, as mais conceituadas, as que são filtradas por um discurso de legitimação crítico e intelectualizado que a faz circular no mundo dos museus e da história da arte. Mas desde finais dos anos 70 que um grupo de artistas em Los Angeles, nomeadamente Robert Williams e Gary Panter, oriundos da cultura dos fanzines e banda desenhada underground, da cultura punk e de outras subculturas de rua, decidiram expor e promover uma arte mais popular e espontânea, afastada do discurso académico mas mais próxima do gosto dos consumidores. Outros artistas como Mark Ryden, Joe Coleman, Manuel Ocampo e Todd Schorr juntaram-se, de certo modo, a este movimento e têm vindo a ganhar uma maior visibilidade até que, por exemplo, no ano passado, o Museu de Arte San José, na Califórnia, organizou a primeira exposição individual do artista que veio da costa este mas que se estabilizou, desde finais de 90, no sul da Califórnia, onde vive e trabalha.



O psicadelismo das imagens de Schorr terá como origem a influência, reivindicada pelo próprio, dos posters de concertos e festivais de finais dos anos 60, executados por Victor Moscoso ou Rick Griffin, e das bandas desenhadas da revista Zap. Mas a referência à contra-cultura do oeste dos EUA é por exemplo óbvia em “Into the Valley of Finks and Weirdos” de 2002, onde aparecem monstros surfistas ou beatnicks tocadores de flauta navegando globos oculares alados. Porém, ainda que não houvesse estas referências biográficas e culturais à época dos ácidos, seria evidente para quem vê a natureza hipertrofiada das imagens fantásticas e metamórficas de Todd Schorr que há um efeito de manifestação lúcida da atormentada mente do autor, de tal modo que a tela é como que um doloroso e vibrante ecrã – pela sua intensidade - entre a meninge e o interior ósseo do seu crânio.
Como banda sonora para a experiência visual dos quadros de Schorr nada parece mais adequado do que a música de Carl Stalling, o famoso compositor dos desenhos animados da Warner Brothers.
Para mais informações sobre a vida e obra de Todd Schorr, ver aqui.
Sobre outros artistas Lowbrow e a cultura circundante, aqui.

Gulliver’s Travels (1969)

A metáfora da viagem é uma das mais comuns nos relatos de experiências com psicotrópicos. De facto, tais experiências são frequentemente apresentadas como percursos de descoberta em que o sujeito se encontra imerso numa percepção alterada da realidade, com uma determinada duração, alargada num tempo estesiológico, e se sente exposto aos perigos de uma transformação interior. Esta leitura da experiência psicadélica como viagem – “trip” - informou uma parte importante da expressão contra-cultural dos anos 60. Em1969, Andrew Loog Oldham, o famoso produtor dos Rolling Stones, fez uma adaptação discográfica das “Viagens de Gulliver”, inspirada por uma encenação londrina do clássico de Jonathan Swift, com Mike d’Abo, o vocalista dos Manfred Mann, no papel principal.


Na verdade, a novela de Swift era uma simples paródia dos “contos de viagens” que abundavam no início do século XVIII e uma sátira da sociedade inglesa da época. Que se saiba, o diácono de St. Patrick não teria por hábito consumir substâncias alucinogéneas, no entanto, delas não parecia necessitar alguém com uma tão fértil imaginação e tão apurado sarcasmo. Com efeito, as situações – a que impropriamente e com o risco de anacronismo poderíamos chamar – surrealistas, em que Lemuel Gulliver – o personagem e pseudónimo do autor das viagens – se encontra, quando se revela um gigante na ilha de Lilliput, ou uma miniatura perante os habitantes de Brobdingnag, ou ainda quando discute sobre os defeitos da natureza humana com os Houyhnhnms, equídeos de inteligência superior, são meras representações hiperbólicas das desproporções do homem e da sociedade, mas que convocam, de facto, uma experiência de pensamento, da imaginação, que exige a transformação da percepção quotidiana do mundo para descobrir o sentido das alegorias e metáforas. Nessa medida, a experiência da leitura das famigeradas viagens apelam a uma autêntica visão, manifestação psicotrópica. Não é pois de espantar que mais de duzentos anos depois elas continuassem a inspirar a imaginação colectiva de uma geração aberta a esse tipo de experiências, com ou sem as substâncias transdutoras das energias da mente.


O disco que escutamos já em fundo e que continuaremos a escutar mais um pouco é uma espécie de aberração discográfica, um produto circunstancial da sua época, mas também uma visão de futuro. Como já se disse, Gulliver’s Travels seria a adaptação para disco de um musical feito em Dezembro de 1968 em Londres, a partir das Viagens de Gulliver, mas quem não souber previamente desse facto, apenas episodicamente e com uma atenção redobrada poderá pensar no universo liliputiano ou na ilha voadora de Laputa, já que o disco é constituído por uma colagem cuja lógica desafia a sobriedade do ouvinte. Trata-se de samples – e nisto é que o disco é antecipador, pois inadvertidamente faz um uso extensivo das técnicas de samplagem e mix – com excertos de The Loving Spoonful, The Small Faces, do natalício “silent night” (oi?!?!), entre samples de vaudeville, do jingle introdutório da Twentieth Century Fox entre outros sons não identificados, misturados com os efeitos de estúdio exigidos pela cultura lisérgica e entrecortado pelo “hit”, “See the little people”, interpretado pela estrela da peça, o leadsinger Mike d’Abo. Imaginemo-nos, por momentos, na ilha onde todos tinham desenvolvido dotes especulativos e acusmáticos e flutuemos com eles ao som bizarro deste disco, antes de regressar à nossa terra natal, no barco do surpreendentemente sábio e generoso Yahoo português, Pedro de Mendez. Enjoy!

The Top 10 Syd Barrett Songs (in no particular order)

No dia 21 de Janeiro de 2010, o Laboratório Chimico apropriou-se de uma lista incluída na publicação Galactic Zoo Dossier para dar conta do difícil empreendimento que consiste em abordar a obra e a vida de Syd Barrett.

1. Lucifer Sam (1967) ...retirado de "Pink Floyd - The Piper At The Gates of Dawn"
2. Vegetable Man (1968) ...retirado de "Pink Floyd - Total Eclipse"
3. Rats (1970) ...retirado de "Syd Barrett - Opel"
4. Candy and a Currant Burn (1967) ...retirado de "Pink Floyd - The Early Singles"
5. Singing a Song In The Morning (1969) ...retirado de "Kevin Ayers - The Best Of..."
6. Interstellar Overdrive (1966) ...retirado de "Pink Floyd - The Piper At The Gates Of Dawn"
7. Jugband Blues (1968) ...retirado de "Pink Floyd - A Saucerful Of Secrets"
8. Apples and Oranges (1967) ...retirado de "Pink Floyd - The Early Singles"
9. Lanky Pt. 1 (1970) ...retirado de "Syd Barrett - Opel"
10. No Man's Land (1970) ...retirado de "Syd Barrett - The Madcap Laughs"

Download da fanzine Terrapin, uma publicação dos anos 1970 inteiramente dedicada a Syd Barrett.
Os Arquivos de Syd Barrett, site que contém artigos, fotografias, histórias, letras e muito mais.

Psicadelismo global compilado

Emissão dedicada a estabelecer um diálogo entre duas compilações recentemente editadas, e que passam em revista facetas distintas da música psicadélica: Forge Your Chains: Heavy Psychedelic Ballads and Dirges 1968-1974 (Now Again Records), e Psych Funk 101: A Global Psychedelic Funk Curriculum (World Psychedelic Classics). Sob premissas diferentes, estas duas edições ilustram um retrato universal da experiência psicadélica, incluindo temas provenientes dos quatro cantos do globo. Desde as paisagens mais contemplativas e evocativas de estados de alma melancólicos de Forge Your Own Chains, até ao êxtase funkie a transbordar de groove de Psych Funk 101, tudo vale para divulgar rock, soul, jazz e funk de países como os EUA, Alemanha, Nigéria, Irão, Turquia, Rússia, Egipto, Colômbia, Coreia do Sul, Tailândia, Suécia ou Etiópia.

Playlist de 7 de Janeiro de 2010:

Husnu Ozkartal Orkestrasi - Su Derenin Sulari (Psych Funk 101)
Mulatu Astatke feat. Belaynesh Wubante and Assegedetch Asfaw - Alemiye
Petalouda - What You Can Do With Your Life
Ofege - It's Not Easy (Forge Your Own Chains)
D. R. Hooker - Forge Your Own Chains
The Group - The Feed-Back (Psych Funk 101)
Damon - Don't You Feel Me (Forge Your Own Chains)
Staff Carpenborg and the Electric Corona - All Me Should Be Brothers of Ludwig (Psych Funk 101)
Baby Grandmothers - Somebody's Calling My Name (Forge Your Chains)
Top Drawer - Song of a Sinner
Sin Jung Hyun & The Men / featuring Jang Hyun - Twilight