Zweistein: Trip, Flip Out, Meditation

“To be or not to be is not a question”: é o motto que gira com o vinil e não mais a pergunta existencial de Hamlet. Uma espécie de disjunção inclusiva resolvida pelas duas pedras de Zweistein a chocarem uma contra a outra, para produzir o fogo prometeico e prometido, à volta do qual a consciência se encandesce, meditando o século contemporâneo das paixões de Fausto e do enigma da Esfinge. Uma melodia simples, ritmos distantes, ecos de infância, redemoinhos oceânicos esculpidos na experiência sonora e geológica que anula a distância entre o subjectivo e o objectivo. Alucinação gnoseológica ou introspecção farmacodóxica? Ein, zwei, drei… Einstein, zweistein, dreistein… uma pedra, duas pedras, três discos…


Na já mítica lista de Nurse With Wound, bem lá no fundo alfabeticamente ordenado encontramos Zweistein: um projecto obscuro, cujas histórias contraditórias, aliadas à natureza vanguardista e experimental da música, geraram um certo culto entre os amadores de bizarrias e fizeram subir o valor dos raros exemplares que se podem encontrar em vinil de Trip/Flip Out/Meditation, editado, estranhamente, pela Phillips em 1970 e re-editado já em 2007, em CD, pela japonesa Captain Trip Records. Trata-se de um triplo LP onde cada disco é dedicado a uma das três alegadas fases de uma “trip” psicadélica: o início da viagem, a inversão do mundo, das percepções e dos seus conceitos, para chegar à meditação. Construído a partir de colagens de paisagens sonoras, sons electrónicos e manipulações recheadas de efeitos de estúdio e estranhas vozes transformadas, o milagre alquímico e electro-acústico que aí se produz teve também, alegadamente, a mão de Peter Kramper, o engenheiro de som dos gigantes do kraut, Amon Düül. O nome é uma homenagem lúdica assumida ao génio da teoria da relatividade geral: depois de Einstein segue-se numericamente Zweistein, que na verdade significa em alemão “dois pedra”. Toda esta aventura discográfica e psicotrópica foi apresentada como sendo da autoria de um tal Jacques Dorian que afinal não era senão um pseudónimo de Suzanne Doucet, uma cantora pop e apresentadora de televisão alemã com vontade de fazer algo mais experimental mas que recorreu a um nome falso para que a experiência do kraut psicadélico não afectasse a sua carreira de cançonetista. A cantora gravou o álbum inteiro com a ajuda da sua meia-irmã, Diane Doucet, e certamente de algumas gramas do ácido lisérgico muito em voga na época. Para alguns, o álbum é uma mera perda de tempo, uma amálgama de sons sem direcção musical, para outros, um disco notável de experimentações e vanguardismos “kraut”, na esteira de Amon Düül ou dos Kluster de Conrad Schnitzler.



[COSMIC DANCE, criado por Suzanne Doucet & James Bell em 1985
- usando um Fairlight Video Synthesizer.]

Seleccionámos um excerto do lado A do terceiro disco, “Point”: dedicado à fase meditativa da “trip”, o qual começa com uma fantasia atómica que explora sons electrónicos, derivando depois para uma atmosfera mais onírica que reporta a uma viagem de comboio pelas memórias de infância. Antes escutávamos um excerto de “a children’s golden dream”, do lado A do 2º disco, intitulado Wrong. O universo canta, mas nem sempre conseguimos ouvir as suas vozes. Uma canção simples é a que escutamos quando nos encontramos no limiar do micro e do macro-cosmos. Zweistein é o símbolo da superação das nossas limitações pelo alargamento da consciência otológica, quando o bico da pomba segredou o Verbo ao ventre.

A tracklist do triplo LP original:

1. IN (19:52)
a) beginning
b) analysis of tune
c) to hear inside
d) a very simple song

2. OUT (16:59)
a) misty tour
b) water sound
c) television
d) organ dreams (a very simple song)

3. WRONG (18:03)
a) children's golden dream
b) to become a child
c) children's golden dream

4. RIGHT (18:02)
a) everything returns
b) indian child
c) the theory of relativity

5. POINT (18:08)
a) atomical fantasy (electronic)
b) incarnation
c) childhood's church
d) life train
e) dream of love and death
f) atomical fantasy

6. CIRCLE (15:14)
a) verdi's soul born again
b) mind beat
c) himalaya's way
d) heaven bridge
e) out of time
f) atomical fade out

Para mais informações: Unmasking a Legend: Zweistein revealed
A página pessoal de Suzanne Doucet.

Visões na velha Albion

O Laboratorio Chimico de 18 de Feveriro foi dedicado a explorar alguma da música da Velha Albion, em particular as produções que durante a segunda metade da década de 60 e início de 70 compuseram o Folk Psicadélico Britânico.

Nesse período o folk britânico oscilava mais do que nunca entre a conservação das suas raízes pagãs e rurais, tentando perservar uma certa tradição oral emanada de um éden perdido, e a progressão através da assimilação do tráfico de influências rock e blues que chegavam da América e também de novos ritmos e instrumentos vindos do Oriente e do Norte de África. Estabeleceram-se assim pontes a unir o passado tradicional da canção britânica e as criações musicais modernas. Da ambivalência entre conservação e progressão, vivência rural e metropolitana, simplicidade e sofisticação, poder-se-á vislumbrar uma dimensão psicadélica neste limbo povoado por visões folk-rock, folk-ácido, free-folk, dark-folk ou weird-folk.

Cecil Sharp foi um dos pioneiros da preservação do folclore britânico, tentando incluir o folclore no panteão dos tesouros nacionais e levá-lo até aos currículos escolares dos petizes britânicos. Perseguiu a linhagem da genealogia da música britânica até aos Estados Unidos - onde mais tarde foram também Shirley Collins e Alan Lomax seguindo o rasto destas canções. Lomax, de resto, participou activamante nas Radio Ballads de Ewan MacColl e Peggy Seeger, programa de rádio que entre 1957 e 1964 foi transmitido pela BBC tentando traçar as rotas folk da memória colectiva britânica através da divulgação de canções, música instrumental e histórias de pessoas das franjas da sociedade.


São férteis os registos pastorais-trovadorescos que brotam dos bosques folk britânicos. Aliás, a psicadélia britânica não vivia somente do apelo lisérgico que as luzes estroboscópicas dos clubes londrinas emanavam, nem se regia pelos mesmas premissas do Summer of Love californiano ou da Swinging London: ligava-se ao passado e sintonizava-se nos seus ecos medievais e bucólicos em comunhão com a natureza, na busca de experiências em que o espírito se revela e da nostalgia dos prazeres intocados de um estado de inocência infantil.
A influência de outros filhos de Albion como Lewis Carrol, William Blake, John Milton ou John Keats sustentam este desejo de captar a aura pré-industrial perdida, habitada por um imaginário pagão que contempla a comunhão com a terra, com os deuses e com energias místicas e sobrenaturais.

Uma metáfora visual do folk inglês é o filme The Wicker Man, que Robin Hardy realizou em 1973. O filme é referido como uma influência seminal por vários grupos neo-folk actuais e é descrito como possuindo um nevoeiro pagão bem perceptível na sua banda-sonora, da responsabilidade de Paul Giovanni e os Magnet, uma banda formada para esse efeito, que criaram diversos temas com a ajuda das personagens do filme.


Durante o programa foi-se escutando:
Paul Giovanni & Magnet - Festival/Mirie It Is (The Wicker Man Original Soundtrack, 1998)
Shirley Collins & Davey Grahm - Blue Monk (Folk Roots, New Routes, 1964)
Shirley Collins - All Things Are Quite Silent (Fountain of Snow, 1992)
Tim Hart & Maddy Prior - The False Knight on the Road (Summer Solstice, 1972)
The Pantangle - Let no Man Steal Your Thyme (Solomon's Seal, 1972)
Mark Fry - The Witch (Dreaming With Alice, 1972)
The Incredible String Band - Three is a Green Crown (The Hangman´s Beatiful Daughter, 1968)
The Strawbs - Sheep (From the Witchwood, 1971)
Writting on The Wall - Buffalo (Buffalo, 1972)
Comus - Diana (First Utterance, 1970)
Paul Giovanni & Magnet - Maypole Song (The Wicker Man Original Soundtrack, 1998)


Algumas compilações que revêm o assunto:
Gather in the Mushrooms - The British Acid-Folk Underground 1968-1974 (Castle Music, 2004)
Early Morning Hush - Notes From The UK Folk Underground 1969-1976 (Sanctuary Records, 2006)
Anthems in Eden - An Anthology of British & Irish Folk 1955-1978 (Sanctuary Records, 2006)

Sítio do Picapau Tecnicolor

O Brasil, à imagem dos restantes países por esse mundo fora, assistiu na década de 60 à invasão da música psicadélica nos moldes preconizados pelos padrões norte-americano e britânico. Nessa altura floresceram inúmeros artistas e agrupamentos musicais, como Fábio ou os Analfabitles, que mimetizavam integralmente a música estrangeira que inundava os diques da música tradicional brasileira.

Em 1968 nascia um movimento cultural e artístico, com uma identidade nacional bem vincada e uma sólida base teórica conceptual, que aglutinou o psicadelismo como parte da sua linguagem heteróclita. A transmutação alquímica da arte brasileira que foi o Tropicalismo, alterou o código genético da música popular brasileira, dando origem a criaturas estilisticamente andróginas que eram, em todo o sentido da palavra, Mutantes.


A Tropicália ou Tropicalismo foi um movimento cultural brasileiro que surgiu sob os auspícios das correntes vanguardistas internacionais e da cultura popular nacional e estrangeira. O movimento tropicalista mesclou aspectos tradicionais da cultura brasileira com inovações estéticas radicais, como a musique concréte europeia, albergando igualmente objectivos sociais e políticos que causaram bastante comichão ao regime militar. Longe de ser apenas um género musical, o Tropicalismo albergava todas as artes, desde o teatro à literatura, passando pela pintura e poesia. Aliás, um dos seus conceitos fundamentais provém do Manifesto Antropófago criado pelo poeta Oswald de Andrade em 1928. Defendia-se, então, a antropofagia, ou o canibalismo cultural de todas as sociedades, como fórmula para criar algo genuinamente novo, único e brasileiro.

Uma das maiores figuras deste movimento foi Rogério Duprat, pioneiro da música electrónica e cosmopolita compositor brasileiro, que estudou com Stockhausen em Darmstadt, onde calhou ser colega de Frank Zappa. O canibalismo estético é bem evidente no seu disco "A Banda Tropicalista do Duprat", um caldo de erudição e parolice, inovação e tradição, engenho e ingenuidade, que infelizmente foi relegado para segundo plano fruto do sucesso encadeador dos discos mais famosos da Tropicália. Rogério Duprat estaria também na origem daquele que veio a ser considerado o manifesto do movimento tropicalista: o LP "Tropicália: ou Panis et Circenses", editado em 1968 e lançado numa festa multicolor organizada em São Paulo, que juntava um conjunto de notáveis e empenhados músicos brasileiros, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, e os omnipresentes Os Mutantes.



Pressões políticas conduziram ao desmembramento do Tropicalismo e ao exílio forçado das suas figuras de proa, Gilberto Gil e Caetano Veloso, em 1969. Aproximadamente uma década mais tarde, Gilberto Gil musicava o genérico de uma série televisiva infantil inspirada na obra de Monteiro Lobato que encantou gerações de crianças brasileiras e portuguesas. Tal como o seu congénere inglês Lewis Carroll, também as aventuras de Dona Benta, Narizinho, Pedrinho e o Visconde da Sabugosa não têm uma correlação directa com estados alucinatórios quimicamente induzidos, assentando antes num espaço onírico, afastado da realidade ou contacto com o exterior, e povoado por figuras míticas como o duende Saci Pêrere, o terrível demónio Cuca e a boneca de trapos Emília. Apesar disso, na história "Viagem ao Céu", Lobato Monteiro apresenta-nos os Pós de Pirlimpimpim, uma substância mágica semelhante aos preparados de Sininho que faziam voar Peter Pan na Terra do Nunca, mas bem mais poderosa, já que permitia viajar através do espaço e do tempo. Um estado de tontura inicial marcava o início da trip com Pós de Pirlimpimpim e eram o seu único efeito secundário, pois os viajantes siderais tinham sempre a garantia de regressar em segurança ao Sítio do Picapau Amarelo.


PLAYLIST DO LABORATÓRIO CHIMICO, 12 de Fevereiro de 2009:

"Hino Nacional do Brasil"
Fábio - "Lindo Sonho Delirante" (LSD: Lindo Sonho Delirante)
Analfabitles - "Magic Carpet Ride" (Compacto Duplo)
Analfabitles - "Shake" (Compacto Duplo)
Fábio - "Hino da República" (Os Frutos de Mi Tierra)
Os Mutantes - "Panis et Circenses" (Tropicália: ou Panis et Circenses)
Rogério Duprat - "Honey/Summer Rain" (A Banda Tropicalista do Duprat)
Rogério Duprat - "Lady Madonna" (A Banda Tropicalista do Duprat)
Caetano Veloso - "Enquanto Seu Lobo Não Vem" (Tropicália: ou Panis et Circenses)
Gilberto Gil - "Geléia Geral" (Tropicália: ou Panis et Circenses)
Gal Costa - "Baby" (Tropicália: ou Panis et Circenses)
Gilberto Gil - "Sítio do Picapau Amarelo" (Sítio do Picapau Amarelo Vol. 1)
"Tema de Malazarte e Zé Carneiro" (Sítio do Picapau Amarelo Vol. 2)
"Sítio do Picapau Amarelo Espacial" (Sítio do Picapau Amarelo Vol. 2)
"Tema da Iara" (Sítio do Picapau Amarelo Vol. 2)

DOWNLOAD DO PROGRAMA EM FORMATO PODCAST

Acompanhamento audiovisual


HIPERLIGAÇÕES
Sítio do Picapau Amarelo na Globo
O Mundo Mágico de Lobato
Manifesto Antropófago
Tropicália

Bananadine (The great banana hoax)



Primeiro, compra uma quantidade significativa de bananas, umas 20 ou mais. Usa bananas naturais, pois as que levam pesticidas podem causar dores de cabeça. Segundo, põe-nas no frigorífico até que a casca fique acastanhada. Descasca as bananas e faz delas o que quiseres, desde que conserves as cascas. Terceiro, raspa o interior da casca e guarda essa matéria branca para mais tarde num local protegido da luz solar e dos raios UV para evitar a sua decomposição. Quarto, põe todo o conteúdo raspado e guardado numa panela e junta água e bicarbonato de soda. Leva ao lume e ferve tudo durante umas 3 ou 4 horas até que obtenhas uma pasta consistente e sólida. Quinto, espalha essa pasta em massa folhada e coze num forno durante uns 20-30 minutos. Obterás um pó negro e fino que contém bananadine, uma substância que é psicoactiva quando fumada, devido a uma triptamina quimicamente relacionada com o LSD e o DMT.

Pelo menos, foi o que se chegou a acreditar na segunda metade dos anos 60 após uma receita muito semelhante à que acabei de descrever ter sido publicada no "Berkeley Barb", um jornal underground da contra-cultura de São Francisco, dedicado aos temas dos direitos civis e dos protestos contra a guerra do Vietnam. O sentido de humor de Max Scherr, o fundador do jornal, fez com que em Março de 1967, com o objectivo de fazer curto-circuito no sistema inquisitorial contra as drogas, se publicasse aquela receita, espalhando assim o rumor das virtudes psicadélicas das bananas e, talvez, desse modo levar as autoridades a proibir o consumo da referida fruta. Rumor que foi reforçado pouco tempo depois, quando o autor de "The Anarchist Cookbook", William Powell, acreditando na história satírica de Berkeley, incluiu a receita nesse livro, sob o tópico de “Musa Sapientum Bananadine”, o qual joga com o nome científico da banana.


De facto, a história teve algum sucesso naqueles anos, ao ponto de ser possível encontrar jovens a fumar casca de banana nos bares da moda enquanto dançavam ao som dos The Electric Prunes ou do famoso hit “Mellow Yellow” de Donovan, lançado em 1966. Esta canção incluía um verso que falava de uma banana eléctrica - “Electrical banana/Is gonna be a sudden craze” - a qual se acreditou durante muitos anos ser uma referência às potencialidades psicotrópicas da casca de banana, mas revelou-se mais tarde que a inspiração era mesmo um vibrador amarelo. O próprio Donovan desfez o mito numa entrevista na rádio e relembrou que quem provavelmente começou o rumor foi mesmo Country Joe McDonald. Aliás, o vocalista dos Country Joe and the Fish conta no seu site como é que a história terá começado na época de uns concertos em Vancouver, no Canadá quando um dos elementos da banda avançou a hipótese de as bananas conterem substâncias alucinogénias e ter convencido os restantes membros a fumar de facto as casca de banana. Aconteceu que alguém terá misturado LSD, dando a ilusão de que o efeito proviria das bananas. De regresso a São Francisco, o grupo decidiu espalhar o boato e distribuir cascas de bananas para fumar durante um dos seus concertos. “The Great Banana Hoax” haveria ainda de ser a inspiração directa de uma canção dos The Electric Prunes, no seu álbum Underground de 1967.

Durante esta crónica, ouviu-se:
Country Joe & The Fish - "Section 43" (Electric Music for the Mind and Body) 1966
Donovan - "Mellow Yellow" (Mellow Yellow) 1966
The Electric Prunes - "The Great Banana Hoax" (Underground) 1967

Um blog sobre outros rumores psicadélicos: SmokingBananaPeels

Tupi or not tupi: that is the question

Hoje o Laboratório Chimico explora o outro lado do outro lado do Atlântico:

Dreamachine

... Had a transcendental storm of color visions today in the bus going to Marseilles. We ran through along a long avenue of trees and I closed my eyes against the setting sun. An overwelming flood of intensely bright patterns in supernatural colors exploded behind my eyelids: a multidimensional kaleidoscope whirling out through space. I was swept out of time. I was out in a world of infinite number. The vision stopped abruptly as we left the trees. Was that a vision' what happened to me?

Este excerto do diário de Brion Gysin, de 21 de Dezembro de 1958, terá sido um insight perfeito para as suas pretensões de transcendência e miscigenação perceptiva. Mais tarde, a leitura de The Living Brain, livro do neurocientista William Grey Walter, sugerido pelo amigo Wiliam Burroughs, revelou as bases da ideia. Ian Sommerville, também largamente associado a essas figuras de proa da Beat Generation, leu igualmente o livro, decidindo canalizar a sua destreza técnico-científica para tentar reproduzir o efeito que Gysin descrevera:

I have made a simple flicker machine. You look at it with your eyes shut and the flicker plays over your eyelids. Visions start with a kaleidoscope of colors on a plane in front of the eyes and gradually become more complex and beautiful, breaking like surf on a shore until whole patterns of color arepounding to get in. After a while the visions were permanently behind my eyelids and I was in the middle of the whole scene with limitless patterns being generated around me. There was an almost unbearable feeling of spatial movement for a while but It was well worth getting through for I found that when itstopped I was high above the earth in a universal blaze of glory. Afterwards I found that my perception of the world around me had increased very notably. All conceptions of being dragged or tired had dropped away...

Gysin recebeu esta descrição de Sommerville em Fevereiro de 1959 e decidiu construir a Dreamachine, no Beat Hotel da rua Gît-le-Cœur, Paris. A patente foi obtida em 1961 e os resultados de tais experimento publicados no nº 2 do periódico de artes Olympia, em Janeiro de 1962. A reprodução de luzes estroboscópicas de alta potência a uma cadência específica havia sido já sugerida por Grey Walter como proporcionadora de uma actividade cerebral temporariamente distinta do funcionamento dito normal, pelo que Gysin formulou a redescoberta dos princípios da interacção directa com as ondas Alpha no cérebro humano.
A simplicidade do material apontado por Gysin para a construção de uma Dreamachine pode fazer o curioso duvidar dos efeitos apregoados: um cilindro com alguns buracos dispostos numa dada configuração, uma lâmpada de 100 watts que deverá ficar no centro do interior do cilindro e um gira-discos; quem quiser desfrutar deve sentar-se em frente a este dispositivo, de olhos fechados, sentindo o brilho intermitente da luz que atravessa os buracos do cilindro a rodopiar no gira-discos. A estimulação do nervo óptico com os feixes de luz a uma frequência constante de forma descontínua (8 a 13 flashes por segundo) induz um cenário semelhante às oscilações das já referidas ondas Alpha (cerca de 20 Hz) presentes no funcionamento cerebral tipicamente associado a estados onde impera o relaxamento (meditação, sonhos). Deve dizer-se no entanto que a utilização é desaconselhada a pessoas com epilepsia.

A Dreamachine permite uma experiência alucinogénea livre de drogas. O seu criador acreditou que tal artefacto iria revolucionar as experiências humanas conscientes, e não estava sozinho: para além dos já citados compinchas de Gysin, também Genesis B.P-Orridge, Andrew McKenzie, ou Kenneth Anger, dedicaram atenção ao fenómeno como complemento ao seu trabalho artística potenciando transições entre o consciente e o inconsciente na busca inspirada da criatividade e liberdade. Se civilizações ancestrais viam criaturas nas constelações das estrelas, é hoje aceite que o homem consegue percepcionar padrões visuais onde objectivamente não existem, sendo o seu processo mental que molda o que ele vê. Estímulos externos, como a Dreamachine, sincronizam-se com os ritmos internos do funcionamento humano, levando à sua extensão.
Embora construções fundadas em princípios geométricos capazes de transformar intrincados mosaicos brilhantes em bolas de fogo pudessem já ser imaginadas a partir de descrições de mandalas por místicos orientais, a verdade é que poucos exploraram este fenómeno. Gysin antecipou a Dreamachine como uma epifania de cut-up onírico que anunciava a fragmentação do self e sua posterior reunificação, estado que apelidou como prototípico e inspirador da co-autoria da sua Terceira Consciência. Gysin desenvolveu variantes ao seu engenho: introduziu colagens e pinturas do universo cabalístico e mágico num cilindro interior através do qual o visionamento das imagens de olhos abertos permitia a externalização dos padrões visuais percepcionados. A Dreamachine traduz-se então como um catalisador perceptivo capaz de estabelecer pontes subconscientes entre o abismo que separa o sono dos estados vigilantes. Os seus apreciadores representam-na como epitomizando a supressão do controlo e da manipulação da percepção, da sexualidade e da culpa.

Os efeitos descritos da exposição à Dreamachine incluem visões de formas variadas e brilhantes padrões geométricos em constante mutação que parecem ser pojectadas "dentro" do utilizador, colorindo totalmente o seu campo de visão. Uma exposição prolongada pode intensificar estas sensações alterando a percepção espacio-temporal e induzindo um estado de profundo relaxamento. Complementos sonoros são igualmente susceptíveis de potenciar o efeito da Dreamachine, sobretudo a audição de padrões rítmicos e tímbricos relativamente homogéneos e sem mudanças abruptas.
Foi esse o mote deixado no programa de 5 de Fevereiro, com o seguinte alinhamento sonoro:

Brion Gysin - Thoughts on Dreamachine (Recordings 1960-1981)The Hafler Trio & Psychic TV - Part I, II e III (Sounds to Enhance the Effect os Brion Gysin's Dreamachine)
Throbbing Gristle - Dreamachine (Heathen Earth)
The Master Musicians of Jajouka - Siri Harid Sherk (The Master Musicians of Jajouka)
Inside the Dream Syndicate - Part I: The Day of Niagara
Music for Dreamachine vol. 1 (CDr Aalypsia, 10111.org)


Este é o caminho para ouvir o programa em formato podcast.

Outras informações:
Aqui, informações de um colectivo internacional de artistas multimédia que se dedica a explorar as virtualidades deixadas em aberto pela criação de Brion Gysin no campo do som, da imagem, da exploração teórica e prática da utilização da Dreamachine e da sua divulgação.
Aqui pode saber-se mais sobre o recentemente galardoado documentário de Nik Sheehan sobre a vida de Brion Gysin, em particular a Dreamachine.
Aqui, inforrmações sobre o primeiro filme de Tony Conrad, The Flicker.
Download das faixas do disco de The Hafler Trio & The Temple of Psychic Youth, 1, 2, 3, e respectivo livro informativo.
Aqui pode encontrar-se um guia para a construção de uma Dreamachine. Tudo e mais alguma coisa.

Delia Derbyshire: Invenções para Rádio

A história da música é construída em dois planos. Um plano que se pode considerar “consciente”, povoado por figuras facilmente reconhecidas e reconhecíveis em qualquer canto do globo, e um outro plano, “inconsciente”, habitado por personagens míticas e obscuras, de pesquisa morosa e complicada, mas com frutos bem mais apetitosos, quanto mais não seja pela surpresa que provocam no palato auditivo.

Delia Derbyshire (5 de Maio de 1937 – 3 de Julho de 2001) é precisamente uma das personagens desse panteão, cujo trabalho se encontra ancorado no inconsciente da narrativa musical do século passado, esquecido e relegado para um limbo, onde espera pacientemente ser resgatado para enfim derramar os seus fluídos encantatórios sobre um auditório sedento de iluminação.

Pioneira da síntese electrónica de som, a sua carreira estende-se desde os inícios dos anos 60 até meados da década de 70, altura em que resolve arrumar as botas, ou para ser mais preciso, os aparatos electrónicos que haviam sido a sua companhia durante uma década de frenético ímpeto criativo.

Natural de Coventry, Delia Derbyshire é o espelho de uma Europa renascida das cinzas, intelectual e ambiciosa, atenta aos progressos da modernidade e dotada de um espírito em constante mutação. Em 1959, depois de frequentar a universidade onde estudou matemática, Delia candidata-se a um lugar na Decca Records, obtendo como resposta um rotundo “não”, justificado pela política da empresa de não contratar mulheres para trabalhar nos estúdios. Pouco tempo depois consegue trabalho como gestora de estúdio na BBC, passando a integrar, em 1962, o vanguardista “BBC Radiophonic Workshop”, no qual realizou inúmeras composições electroacústicas, entre as quais se conta a rendição do intemporal genérico da série televisiva Dr. Who, da autoria de Ron Granier.

Durante o período em que trabalhou na BBC, Delia Derbyshire fez de tudo um pouco. Compôs música para interlúdios comerciais e filmes documentais, como por exemplo “Blue Veils and Golden Sands”, uma peça para um documentário sobre as tribos Tuareg, que põe em evidência a capacidade de Delia em transmutar elementos visuais, como os horizontes sem fim do deserto e a névoa provocada pelo calor, em compostos sonoros consonantes. Materializou ideias e conceitos para peças radiofónicas, encetando uma colaboração com o artista e argumentista Barry Bermage, para uma série intitulada “Inventions for Radio”. A primeira das quatro invenções para rádio foi “The Dreams”, uma colagem de descrições de sonhos, em especial os temas mais recorrentes, como estar debaixo de água ou fugir de algo, sob um pano de fundo inteiramente composto por sons gerados electronicamente.


Enquanto elemento do Radiophonic Workshop, Delia conheceu e trabalhou com algumas das personalidades que marcaram e definiram o espírito da época – Brian Jones, Syd Barrett, Paul McCartney, e mesmo Anthony Newley, com quem compôs “Moogies Bloogies”, um clássico da música popular nunca editado, e que apenas foi possível ouvir em 1966 no Unit Delta Plus Concert of Electronic Music.

Estúdio Unit Delta Plus, 1966

Como instituição classicamente britânica e arreigada às tradições, a BBC por vezes suprimia e condicionava o trabalho de Delia, que assim se viu forçada a encontrar outras válvulas de escape para a sua arte. Em conjunto com dois colegas – Peter Zinovieff e Brian Hodgson – cria o Unit Delta Plus, uma companhia independente dedicada à promoção da música electrónica. Mais tarde conhece David Vorhaus e, acompanhados por Hodgson, começam a compor algumas músicas nas horas livres. Rezam as crónicas que Chris Blackwell, da Island Records, ficou de tal modo entusiasmado as melodias do trio que prontamente encomendou um longa duração, avançando a soma de £3000. Dotados de fundo de maneio, Delia e os seus colegas fundam os estúdios Kaleidophon em Camden, onde começam por criar bandas sonoras electrónicas para produções teatrais de MacBeth e Hamlet. Mas é também neste estúdio que o trio, sob a designação de White Noise, grava o grosso de “An Electric Storm” de 1969, um álbum de culto que consegue equilibrar um psicadelismo alegre e vibrante com as arestas mais ásperas do ruído.

O disco, que inicialmente foi um fracasso comercial, em parte porque era impossível reproduzi-lo em concerto, granjeou ao longo do tempo reedições sucessivas e constitui um bom ponto de partida para redescobrir Delia Derbyshire. Os dois lados de “An Electric Storm” complementam-se como o Yin e o Yang da filosofia chinesa. No lado A do vinil encontramos a face mais jovial do grupo, com pequenos apontamentos que vão desde o cómico “Here Come the Fleas” até ao orgiástico “My Game of Loving”. No lado B, o negrume visceral do trio e o seu potencial melodramático são revelados nas duas longas faixas que o compõem. “The Visitations” conta-nos a história de um motociclista que morre num acidente de viação e que procura voltar ao mundo dos vivos para falar com a sua amada, e “The Black Mass: An Electric Storm in Hell” é um delírio percussivo, tornado possível pela presença do baterista Paul Lytton, e inspirado por “A Saucerful of Secrets” dos Pink Floyd.

Delia haveria de regressar ao trabalho no tornear do milénio encorajada por um conjunto de músicos contemporâneos que reconheciam o seu contributo inestimável para o desenvolvimento da música electrónica, como Peter Kember (aka Sonic Boom) dos Spacemen 3 e Experimental Audio Research, ou Drew Mullholland dos Mount Vernon Arts Lab. Infelizmente este regresso seria apenas para um último suspiro, um suspiro que talvez fosse de alívio, por finalmente ver o seu trabalho reconhecido, mas que também poderia ser o produto de um entusiasmo sonolento, como quem acaba de acordar e está pronto para mais uma vez colocar em marcha as intrincadas engrenagens da mente. Em 2001 terminava a odisseia de Delia.


PLAYLIST DO LABORATÓRIO CHIMICO (29 de Janeiro de 2009)

Delia Derbyshire - Ziw-zih Ziw-zih OO-OO-OO (1966?)

"Most of the programs that I did were either in the far distant future, the far distant past or in the mind. I think this was the climax of a science fiction play called "The Prophet". It ended up with all these robots and they sang a song of praise to this bloke, presumably the prophet, and this was the song they sang."

Released on 10" vinyl "Music from The BBC Radiophonic Workshop" by Rephlex as CAT147LP (2003) Released on vinyl "BBC Radiophonic Music" by BBC Records as REC25M (1971 and 19 May 2003) and on CD as REC25MCD (26 November 2002)

Russe (a.k.a. Li De la Russe) - Standard Music Library ESL104 (1969)

Released on vinyl as Standard Music Library ESL104 (1969). Released without "London Lemons" on CD and vinyl as "The Tomorrow People: Original television music" (JBH017CD and JBH017LP, Trunk Records, April 2006)

The BBC Radio Scotland Interview (1997)

Interview from 1997 by John Cavanagh of Delia Derbyshire and Drew Mulholland, interspersed with audio tracks of Delia's creation. It was recorded via an ISDN link from Northampton, where Delia lived at the time, and broadcast on BBC Radio Scotland's "Original Masters" series

Delia Derbyshire and Ron Granier - Dr. Who (1963)

"In those days people were so cynical about electronic music and so Doctor Who was my private delight. It proved them all wrong."

Released as a single on Decca: F11837 (1964) Released on "Doctor Who at the Radiophonic Workshop - Volume One: The Early Years (BBC MUSIC, WMSF 6023-2)

Delia Derbyshire - Blue Veils and Golden Sands (1967)

"I tried to convey the distance of the horizon and the heat haze and then there's this very high, slow reedy sound. That indicates the strand of camels seen at a distance, wandering across the desert. That in fact was made from square waves on the valve oscillators we've just talked about, but square waves put though every filter I could possibly find to take out all the bass frequencies and so one just hears the very high frequencies. It had to be something out of this world."

Released on 10" vinyl "Music from The BBC Radiophonic Workshop" by Rephlex as CAT147LP (2003) Released on vinyl "BBC Radiophonic Music" by BBC Records as REC25M (1971 and 19 May 2003) and on CD as REC25MCD (26 November 2002) Released on "Doctor Who Volume 2: New Beginnings"

Delia Derbyshire and Barry Bermage - Running, Invention for Radio No. 1: The Dreams (1964)

Broadcast 5 Jan 1964 on the Third Programme and 21:45-22:45 19 Oct 1993 on BBC Radio 3

Delia Derbyshire and Anthony Newly - Moogies Bloogies (1966?)

"The late Anthony Newley told his label that he wanted to do something electronic. So they got on to me. So I produced this bloopy track and he loved it so much he double-tracked his voice and he used my little tune. The winking knees in the rain, and their mini-skirts. I'd done it as a lovely little innocent love song, because he said to me that the only songs are, "I love you, I love you" or songs saying "you've gone, you've gone."

Delia Derbyshire - The Delian Mode (?)

Released on 10" vinyl "Music from The BBC Radiophonic Workshop" by Rephlex as CAT147LP (2003) Released on vinyl "BBC Radiophonic Music" by BBC Records as REC25M (1971 and 19 May 2003) and on CD as REC25MCD (26 November 2002) Released on "Doctor Who Volume 2: New Beginnings"

White Noise - Love Without Sound (An Electric Storm, 1968)

White Noise - The Visitations (An Electric Storm, 1968)

"I think my forte is, well, apart from having an analytical mind to do electronic sound, at the opposite end I'm very good at writing extended melody for which there was not really an opening at the BBC. And so I met this guy, I was giving a lecture at Morley College in London and he came up to me afterwards. He played the double bass, the same as I did, and he was already doing tracks for the Ballet Rambert and we got together and started this album."

Released on vinyl 1968, Island Records, Cat: 510 948-2. Released on vinyl 1969, Island Records, Cat: ILPS9099. Released on CD, 28 July 1992 by Island Records. Released on CD, 28 Dec 1999 by Polygram Int'l.

Sonic Boom - Rock 'n' Roll Is Killing My Life (Spectrum, 1990)

INTERLIGAÇÕES

Delia Derbyshire: An Audiological Chronology

Delia Derbyshire: Electronic Music Pioneer

Delia Derbyshire: Invenções para Rádio (emissão em formato podcast)

Hapshash and the Coloured Coat

São muitos os exemplos de eventos e projectos que no auge da experimentação psicadélica cruzaram as fronteiras do som e da imagem, fecundando de emanações sinestésicas os sentidos de quem via e ouvia. O trabalho dos Hapshash and the Coloured Coat (HTCC) remete o observador-ouvinte para uma rede de códigos simbólicos e semânticos rapidamente situados nas criações psicadélicas, onde o legado visual e musical do grupo parece encontrar um equilíbrio perfeito.

Tudo terá começado em 1966 quando Michael English e Nigel Waymouth se conheceram através de Joe Boyd e John “Hoppy” Hopkins, entusiásticos fundadores de um dos lugares mais influentes da cultura psicadélica londrina da época, o UFO Club. Nas suas mentes decerto que não figurava a magnitude que a sinergia criativa que a junção daqueles dois artistas gráficos viria a alcançar, mas foi o trabalho gráfico da dupla que anunciou grande parte do que aquele espaço acolheria, sobretudo através de posters maioritariamente usados na promoção de concertos de gente ilustre como Pink Floyd, Jimi Hendrix, The Who ou The Incredible String Band, ou de eventos como o “14-hour Technicolor Dream”, em Abril de 1967, uma aproximação britânica dos Acid Tests que Ken Kesey and the Merry Pranksters levaram a cabo na Califórnia. Também ilustrações de revistas, livros ou capas de discos constam na sua produção.Os trabalhos dos HTCC são um dos exemplos máximos da iconografia psicadélica ocidental; as cores exuberantes e metálicas e as formas arredondadas dos seus posters maximizavam a combustão psicadélica através de técnicas gráficas inovadoras que situam tal expressão artística algures entre o desenho, a pintura, a colagem ou o graffiti.

English colaborava na publicação underground International Times e com a loja Hung on You, enquanto Waymouth geria a “Granny Takes a Trip”, um espaço tido como uma das primeiras lojas psicadélicas britânicas e mais tarde, já a dupla HTCC ao leme, uma referência conceptual na fusão da contra-cultura psicadélica e a cultura popular onde tinha lugar uma mostra vanguardista de artes plásticas em constante reconfiguração (roupas, decoração de interiores, instalações, pintura, posters). Antes da denominação já referida, o duo assinou como “Cosmic Colours” e “Jacob and the Coloured Coat”, embora tenha sido enquanto HTCC que se notabilizaram no campo visual e musical, naquele que foi sem dúvida o seu projecto mais surpreendente.
Ainda em 1968 o grupo grava Hapshash and the Coloured Coat featuring the Human Host and the Heavy Metal Kids, editado pela Minit/Liberty Records em vinil vermelho e com a ilustração da capa a cargo de English e Waymouth. O mentor desta incursão musical foi Guy Stevens, reputado e excêntrico produtor, que vislumbrou as potencialidades da transmutação da energia criativa dos HTCC das telas de seda para os sulcos do vinil e que foi o anfitrião da sessão de gravação do disco, uma longa improvisação alucinada repleta de amigos, LSD, e com as expensas musicais a cargo dos Art (mais tarde os Spooky Tooth), os Heavy Metal Kids – ainda nesse ano a retribuição envolveu o desenho da capa do único disco dos Art, Supernatural Fairy Tales. O disco é um banho lisérgico-dissociativo em formato freak-out: cantos orgiásticos, evocações poéticas andaluzes, guitarras a reverberarem efeitos e percussões comunais; English e Waymouth podem encontrar-se algures a percutirem utensílios de cozinha e gongos.
Em 1969 o grupo dissolve-se, metaforizando o caleidoscópico declínio hippie e envolvendo inclusive algum comprometimento da saúde mental – o internamento psiquiátrico de um dos membros pode ler-se na nota biográfica que acompanha as reedições dos discos, em 1999, pela Repertoire. O duo envereda então por uma fruição artística mais conectada com a realidade mundana, prosseguindo separadamente as carreiras de artistas gráficos. É em todo o caso enquanto HTCC que surge Western Flier (Imperial Records), um registo esteticamente nos antípodas do seu antecessor: um conjunto de versões de canções folk-blues resgatadas às profundezas da música popular britânica e norte-americana, incluindo porém o single Colinda, um clássico tema trovadoresco provavelmente originário de França e culturalmente adaptado a cultos pagãos e danças rituais em vários pontos do globo.


No nº 266 da revista Wire pode ler-se a epifania de Genesis Breyer P-Orridge sobre os HTCC.
Aqui, muitos dos posters e bilhetes de espectáculos também com o cunho dos HTCC.