Hapshash and the Coloured Coat

São muitos os exemplos de eventos e projectos que no auge da experimentação psicadélica cruzaram as fronteiras do som e da imagem, fecundando de emanações sinestésicas os sentidos de quem via e ouvia. O trabalho dos Hapshash and the Coloured Coat (HTCC) remete o observador-ouvinte para uma rede de códigos simbólicos e semânticos rapidamente situados nas criações psicadélicas, onde o legado visual e musical do grupo parece encontrar um equilíbrio perfeito.

Tudo terá começado em 1966 quando Michael English e Nigel Waymouth se conheceram através de Joe Boyd e John “Hoppy” Hopkins, entusiásticos fundadores de um dos lugares mais influentes da cultura psicadélica londrina da época, o UFO Club. Nas suas mentes decerto que não figurava a magnitude que a sinergia criativa que a junção daqueles dois artistas gráficos viria a alcançar, mas foi o trabalho gráfico da dupla que anunciou grande parte do que aquele espaço acolheria, sobretudo através de posters maioritariamente usados na promoção de concertos de gente ilustre como Pink Floyd, Jimi Hendrix, The Who ou The Incredible String Band, ou de eventos como o “14-hour Technicolor Dream”, em Abril de 1967, uma aproximação britânica dos Acid Tests que Ken Kesey and the Merry Pranksters levaram a cabo na Califórnia. Também ilustrações de revistas, livros ou capas de discos constam na sua produção.Os trabalhos dos HTCC são um dos exemplos máximos da iconografia psicadélica ocidental; as cores exuberantes e metálicas e as formas arredondadas dos seus posters maximizavam a combustão psicadélica através de técnicas gráficas inovadoras que situam tal expressão artística algures entre o desenho, a pintura, a colagem ou o graffiti.

English colaborava na publicação underground International Times e com a loja Hung on You, enquanto Waymouth geria a “Granny Takes a Trip”, um espaço tido como uma das primeiras lojas psicadélicas britânicas e mais tarde, já a dupla HTCC ao leme, uma referência conceptual na fusão da contra-cultura psicadélica e a cultura popular onde tinha lugar uma mostra vanguardista de artes plásticas em constante reconfiguração (roupas, decoração de interiores, instalações, pintura, posters). Antes da denominação já referida, o duo assinou como “Cosmic Colours” e “Jacob and the Coloured Coat”, embora tenha sido enquanto HTCC que se notabilizaram no campo visual e musical, naquele que foi sem dúvida o seu projecto mais surpreendente.
Ainda em 1968 o grupo grava Hapshash and the Coloured Coat featuring the Human Host and the Heavy Metal Kids, editado pela Minit/Liberty Records em vinil vermelho e com a ilustração da capa a cargo de English e Waymouth. O mentor desta incursão musical foi Guy Stevens, reputado e excêntrico produtor, que vislumbrou as potencialidades da transmutação da energia criativa dos HTCC das telas de seda para os sulcos do vinil e que foi o anfitrião da sessão de gravação do disco, uma longa improvisação alucinada repleta de amigos, LSD, e com as expensas musicais a cargo dos Art (mais tarde os Spooky Tooth), os Heavy Metal Kids – ainda nesse ano a retribuição envolveu o desenho da capa do único disco dos Art, Supernatural Fairy Tales. O disco é um banho lisérgico-dissociativo em formato freak-out: cantos orgiásticos, evocações poéticas andaluzes, guitarras a reverberarem efeitos e percussões comunais; English e Waymouth podem encontrar-se algures a percutirem utensílios de cozinha e gongos.
Em 1969 o grupo dissolve-se, metaforizando o caleidoscópico declínio hippie e envolvendo inclusive algum comprometimento da saúde mental – o internamento psiquiátrico de um dos membros pode ler-se na nota biográfica que acompanha as reedições dos discos, em 1999, pela Repertoire. O duo envereda então por uma fruição artística mais conectada com a realidade mundana, prosseguindo separadamente as carreiras de artistas gráficos. É em todo o caso enquanto HTCC que surge Western Flier (Imperial Records), um registo esteticamente nos antípodas do seu antecessor: um conjunto de versões de canções folk-blues resgatadas às profundezas da música popular britânica e norte-americana, incluindo porém o single Colinda, um clássico tema trovadoresco provavelmente originário de França e culturalmente adaptado a cultos pagãos e danças rituais em vários pontos do globo.


No nº 266 da revista Wire pode ler-se a epifania de Genesis Breyer P-Orridge sobre os HTCC.
Aqui, muitos dos posters e bilhetes de espectáculos também com o cunho dos HTCC.

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