Dreamachine

... Had a transcendental storm of color visions today in the bus going to Marseilles. We ran through along a long avenue of trees and I closed my eyes against the setting sun. An overwelming flood of intensely bright patterns in supernatural colors exploded behind my eyelids: a multidimensional kaleidoscope whirling out through space. I was swept out of time. I was out in a world of infinite number. The vision stopped abruptly as we left the trees. Was that a vision' what happened to me?

Este excerto do diário de Brion Gysin, de 21 de Dezembro de 1958, terá sido um insight perfeito para as suas pretensões de transcendência e miscigenação perceptiva. Mais tarde, a leitura de The Living Brain, livro do neurocientista William Grey Walter, sugerido pelo amigo Wiliam Burroughs, revelou as bases da ideia. Ian Sommerville, também largamente associado a essas figuras de proa da Beat Generation, leu igualmente o livro, decidindo canalizar a sua destreza técnico-científica para tentar reproduzir o efeito que Gysin descrevera:

I have made a simple flicker machine. You look at it with your eyes shut and the flicker plays over your eyelids. Visions start with a kaleidoscope of colors on a plane in front of the eyes and gradually become more complex and beautiful, breaking like surf on a shore until whole patterns of color arepounding to get in. After a while the visions were permanently behind my eyelids and I was in the middle of the whole scene with limitless patterns being generated around me. There was an almost unbearable feeling of spatial movement for a while but It was well worth getting through for I found that when itstopped I was high above the earth in a universal blaze of glory. Afterwards I found that my perception of the world around me had increased very notably. All conceptions of being dragged or tired had dropped away...

Gysin recebeu esta descrição de Sommerville em Fevereiro de 1959 e decidiu construir a Dreamachine, no Beat Hotel da rua Gît-le-Cœur, Paris. A patente foi obtida em 1961 e os resultados de tais experimento publicados no nº 2 do periódico de artes Olympia, em Janeiro de 1962. A reprodução de luzes estroboscópicas de alta potência a uma cadência específica havia sido já sugerida por Grey Walter como proporcionadora de uma actividade cerebral temporariamente distinta do funcionamento dito normal, pelo que Gysin formulou a redescoberta dos princípios da interacção directa com as ondas Alpha no cérebro humano.
A simplicidade do material apontado por Gysin para a construção de uma Dreamachine pode fazer o curioso duvidar dos efeitos apregoados: um cilindro com alguns buracos dispostos numa dada configuração, uma lâmpada de 100 watts que deverá ficar no centro do interior do cilindro e um gira-discos; quem quiser desfrutar deve sentar-se em frente a este dispositivo, de olhos fechados, sentindo o brilho intermitente da luz que atravessa os buracos do cilindro a rodopiar no gira-discos. A estimulação do nervo óptico com os feixes de luz a uma frequência constante de forma descontínua (8 a 13 flashes por segundo) induz um cenário semelhante às oscilações das já referidas ondas Alpha (cerca de 20 Hz) presentes no funcionamento cerebral tipicamente associado a estados onde impera o relaxamento (meditação, sonhos). Deve dizer-se no entanto que a utilização é desaconselhada a pessoas com epilepsia.

A Dreamachine permite uma experiência alucinogénea livre de drogas. O seu criador acreditou que tal artefacto iria revolucionar as experiências humanas conscientes, e não estava sozinho: para além dos já citados compinchas de Gysin, também Genesis B.P-Orridge, Andrew McKenzie, ou Kenneth Anger, dedicaram atenção ao fenómeno como complemento ao seu trabalho artística potenciando transições entre o consciente e o inconsciente na busca inspirada da criatividade e liberdade. Se civilizações ancestrais viam criaturas nas constelações das estrelas, é hoje aceite que o homem consegue percepcionar padrões visuais onde objectivamente não existem, sendo o seu processo mental que molda o que ele vê. Estímulos externos, como a Dreamachine, sincronizam-se com os ritmos internos do funcionamento humano, levando à sua extensão.
Embora construções fundadas em princípios geométricos capazes de transformar intrincados mosaicos brilhantes em bolas de fogo pudessem já ser imaginadas a partir de descrições de mandalas por místicos orientais, a verdade é que poucos exploraram este fenómeno. Gysin antecipou a Dreamachine como uma epifania de cut-up onírico que anunciava a fragmentação do self e sua posterior reunificação, estado que apelidou como prototípico e inspirador da co-autoria da sua Terceira Consciência. Gysin desenvolveu variantes ao seu engenho: introduziu colagens e pinturas do universo cabalístico e mágico num cilindro interior através do qual o visionamento das imagens de olhos abertos permitia a externalização dos padrões visuais percepcionados. A Dreamachine traduz-se então como um catalisador perceptivo capaz de estabelecer pontes subconscientes entre o abismo que separa o sono dos estados vigilantes. Os seus apreciadores representam-na como epitomizando a supressão do controlo e da manipulação da percepção, da sexualidade e da culpa.

Os efeitos descritos da exposição à Dreamachine incluem visões de formas variadas e brilhantes padrões geométricos em constante mutação que parecem ser pojectadas "dentro" do utilizador, colorindo totalmente o seu campo de visão. Uma exposição prolongada pode intensificar estas sensações alterando a percepção espacio-temporal e induzindo um estado de profundo relaxamento. Complementos sonoros são igualmente susceptíveis de potenciar o efeito da Dreamachine, sobretudo a audição de padrões rítmicos e tímbricos relativamente homogéneos e sem mudanças abruptas.
Foi esse o mote deixado no programa de 5 de Fevereiro, com o seguinte alinhamento sonoro:

Brion Gysin - Thoughts on Dreamachine (Recordings 1960-1981)The Hafler Trio & Psychic TV - Part I, II e III (Sounds to Enhance the Effect os Brion Gysin's Dreamachine)
Throbbing Gristle - Dreamachine (Heathen Earth)
The Master Musicians of Jajouka - Siri Harid Sherk (The Master Musicians of Jajouka)
Inside the Dream Syndicate - Part I: The Day of Niagara
Music for Dreamachine vol. 1 (CDr Aalypsia, 10111.org)


Este é o caminho para ouvir o programa em formato podcast.

Outras informações:
Aqui, informações de um colectivo internacional de artistas multimédia que se dedica a explorar as virtualidades deixadas em aberto pela criação de Brion Gysin no campo do som, da imagem, da exploração teórica e prática da utilização da Dreamachine e da sua divulgação.
Aqui pode saber-se mais sobre o recentemente galardoado documentário de Nik Sheehan sobre a vida de Brion Gysin, em particular a Dreamachine.
Aqui, inforrmações sobre o primeiro filme de Tony Conrad, The Flicker.
Download das faixas do disco de The Hafler Trio & The Temple of Psychic Youth, 1, 2, 3, e respectivo livro informativo.
Aqui pode encontrar-se um guia para a construção de uma Dreamachine. Tudo e mais alguma coisa.

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