Austin, Texas: a cidade onde a Pirâmide encontrou o Olho

Certamente que nos atribulados dias que correm, o comum dos mortais dificilmente associa o Texas a qualquer movimento progressivo ou revolucionário do passado ou presente, optando antes por conotar a aridez desértica do estado da estrela solitária com o terreno fértil da ascensão política de George W. Bush. Apesar de aparentemente monolítico em termos culturais, o Texas é na verdade um cadinho de ambivalências socioculturais dificilmente conciliáveis, albergando um historial de conformismo e conservadorismo a par com uma tradição progressista expressa, por exemplo, na eleição da primeira mulher para o cargo de governadora na história dos Estados Unidos. Este progressismo pode igualmente ser atestado nos idos anos 50 e 60, com a ascensão de um movimento psicadélico que apenas encontra rival na cena temporalmente contígua de São Francisco, e onde militavam artistas e grupos preponderantes na sua definição estética.

Austin, capital do estado texano, encontrava-se no epicentro desta revolução contra-cultural, e foi o berço de uma Meca alternativa para as mentes ávidas de música psicadélica: o Vulcan Gas Company, uma sala de concertos fundada no Outono de 1967, onde era possível absorver as infusões sonoras de alguns dos grupos menos convencionais da época. As condições eram verdadeiramente espartanas. Não existiam lugares sentados, as pessoas tinham de se deslocar até um edifício adjacente se quisessem matar a fome e a sede, e os consumos de álcool e marijuana eram fortemente desencorajados. Contudo por um punhado de dólares, mais precisamente pela módica quantia de 1 dólar e 50 cêntimos, qualquer um ganhava acesso ao seu interior e às surpresas musicais que lá se escondiam. As comparações com a cidade californiana são mais uma vez inevitáveis, pois este Vulcan Gas Company podia ombrear com os mais famosos Avalon Ballroom ou Fillmore Auditorium de São Francisco sem se sentir diminuído ou inferior. A banda da casa eram os Shiva’s Headband de Spencer Perskin que, com a gravação “Take Me To The Mountains” de 1969, foram o primeiro grupo natural de Austin a lançar um disco por uma editora nacional, a Capitol Records.

A cena psicadélica de Austin ficou imortalizada no documentário “Dirt Road to Psychedelia: Austin, Texas during the 1960’s”, realizado e produzido por Scott Conn, que nos conta como ocorreu a convergência nesta cidade texana de beatniks embriagados de LSD e peyote, movimentos políticos em favor dos direitos civis, manifestações pacifistas, e um gosto ancestral pela música blues e country. Na banda sonora encontram-se vários dos actores principais desta história, como os Conqueroo, os Shiva’s Headband, e Janis Joplin, também ela texana e antiga aluna da Universidade de Austin, onde em 1962 inspirou um artigo no jornal universitário intitulado “She Dares To Be Different”.

Embora com sede em Houston, a International Artists era uma editora independente que deu a conhecer muitos dos nomes que provinham de Austin. Fundada em 1965 por Lelan Rogers, a International Artists editou, até à data do seu encerramento em 1970, 12 álbuns e 39 singles, entre os quais se conta o único registo dos “Austinites” (assim são conhecidos os residentes de Austin) The Golden Dawn, intitulado “Power Plant”, e “A Gathering Of Promises” dos Bubble Puppy, grupo originário de San Antonio, mas que em 1967 assentou arrais na capital texana, atraídos pelo magnetismo irresistível de uma cidade em ebulição.

De todas as bandas que surgiram em Austin durante os anos 60, os 13th Floor Elevators são provavelmente os melhores candidatos a receber as chaves da cidade, não só aquelas que atestam o reconhecimento de uma comunidade agradecida pelo contributo cultural mas também aquelas outras que abrem de par em par as portas da percepção. A importância do grupo é atestada pelas numerosas reedições dos seus discos, em particular dos seminais “The Psychedelic Sounds Of The 13th Floor Elevators” e “Easter Everywhere”. Ao longo dos anos surgiram várias homenagens ao grupo e ao seu carismático líder, das quais se destaca a compilação “Where The Pyramid Meets The Eye: A Tribute To Roky Erickson”, um registo heteróclito onde se podem encontrar nomes tão dispares como ZZ Top, Butthole Surfers, Julian Cope, R.E.M., Jesus And Mary Chain, entre outros. Para além de constituir uma prova inabalável da intemporalidade do legado dos 13th Floor Elevators, esta compilação tinha ainda a curiosidade de ter como título a definição que Roky Erickson deu de música psicadélica como “o local onde a pirâmide encontra o olho”, uma referência ao “olho da providência” que pode ser encontrado nas notas de um dólar norte-americanas e na capa do primeiro disco de originais do seu grupo.

Playlist:

13th Floor Elevators - "You're Gonna Miss Me" (The Psychedelic Sounds Of The 13th Floor Elevators)
13th Floor Elevators - "Roller Coaster" (The Psychedelic Sounds Of The 13th Floor Elevators)
13th Floor Elevators - "Splash 1" (The Psychedelic Sounds Of The 13th Floor Elevators)
Shiva's Headband - "Homesick Armadillo Blues" (Take Me To The Mountains)
Shiva's Headband - "Take Me To The Mountains" (Take Me To The Mountains)
Janis Joplin - "Stealin'" (Early Performances)
Bubble Puppy - "I've Got To Reach You" (A Gathering Of Promises)
Bubble Puppy - "Lonely" (A Gathering Of Promises)
The Golden Dawn - "Evolution" (Power Plant)
The Golden Dawn - "Starvation" (Power Plant)
ZZ Top - "Reverberation (Doubt)" (Where The Pyramid Meets The Eye)
Primal Scream - "Slip Inside This House" (Where The Pyramid Meets The Eye)

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