Era uma vez na Suécia: Pärson Sound - (International) Harvester - Träd Gräs och Stenar


Rock cósmico-minimalista, folk psicadélico, espírito comunitário, sensibilidade ecológica. Podem ser estes os eixos centrais que perpassam a tríade evolutiva destes grupos, compostos pelos mesmos indivíduos, mas que foram sucessivamente modificando a sua designação. Claro está que embora traços comuns fossem conservados, a introdução de novos elementos à sua música faz com que os grupos possam distinguir-se autonomamente entre si. Para decifrar o seu contributo, um relance à Suécia de finais de 60 e inícios de 70: uma democracia liberal sustentada na neutralidade geo-política que proporcionava uma sociedade simultaneamente próspera e solidária, enraizada por entre caminhos bucólicos e uma crescente (mas ordenada) industrialização. Há ainda o aparente paradoxo emanado pelo apelo medieval do folclore nórdico, que permite ao mesmo tempo captar a vanguarda informada do underground sueco - Andy Warhol convidou os Pärson Sound para abrir a sua exposição, em 1968, no Museu de Arte Moderna de Estocolmo - e um primitivismo esperançado destilado da anarquia orgânica da música de Pärson Sound, (International) Harvester e Träd Gräs och Stenar.
Mas foi a visita de Terry Riley a Estocolmo, em 1967,que despertou Bo Anders Persson a formar os Pärson Sound. Num concerto de época do famoso trabalho do compositor norte-americano, "In C", e também de um novo trabalho com crianças, Olsson III, o jovem Persson encontrava-se entre os performers, tal como Thomas Tidholm e Arne Ericsson, então colegas estudantes da Academia Real de Música. O evento teve uma repercussão tal no espírito criativo dos jovens que é elencado como influência decisiva na génese dos Pärson Sound, formados ainda nesse ano, juntamente com Torbjörn Abelli e Thomas Mera Gartz. Bo Anders Persson assumiu-se durante tal período como "um dogmático minimalista", algo notório no rock do grupo, fértil na repetição de longos mantras cuja intensidade catártica enquadrava a comunhão colectiva-tribal no âmago da sua experiência psicadélica.
Há em Pärson Sound a utópica coerência que justifica que a sua música somente no século XXI tenha saído do baú quicá enterrado no solo húmido da floresta bureal; em 2001 a Subliminal Sound editou o duplo CD com o material de arquivo do grupo e alguns registos ao vivo. Nele podem encontrar-se, por entre camadas de energia primal e ruído estático, drones ("Tio Minuter"), manipulações de fita magnética ("A Glimpse Inside the Glyptotec") e noise ["One Quiet Afternoon (In the King's Garden)"], o sentido eterno da repetição ["From Tunis to India in Fullmoon (on Testosterone)", "India (Slight Return)"] criador de pontes meditativas com Riley, La MonteYoung e Tony Conrad. Enfim, uma súmula de viagens psicadélicas que se evaporam das cordas electrificadas e dos sopros orgiásticos, onde "How to live" (percussão, guitarra e cantos de pássaro) nos fornece a contemplação pastoril anunciadora da massa de que viria a ser feita a encarnação seguinte do grupo, International Harvester (aqui, link para uma crónica do Nuno Fonseca sobre o mais notável trabalho do grupo, "Sov-Gott, Rose-Marie", recuperada dos arquivos "Die Liste" do Kosmos!).
Em 1969, nova mudança de nome: Träd Gräs och Stenar (Àrvores, Erva e Pedras). A direcção a um rock de cariz mais convencional não fez com que abandonassem as premissas fundadoras da expressão artística do grupo. Mantendo-se avisados politicamente e com uma marcada filosofia performativa, o grupo encetou longos períodos de digressão pelos confins da vasta Escandinávia. Este desejo de imersão colectiva traduziu-se por um deliberado distanciamento do estúdio (dois dos seus álbuns são registos ao vivo - "Djulgelns Lag", 1971, e "Mors Mors", 1972), como se o processo composicional reclamasse a co-construção com a audiência. O homónimo LP de estreia (1970), e "Rock For Kropp och Sjal" (1972) revelam uma definitiva encarnação do grupo por territórios onde as abstracções e experimentação dos projectos antecessores não se apresentam de forma tão pronunciada, reclamando uma orientação de cariz rock-blues progressiva.
O grupo desmantelou-se após o último disco, tendo a partir daí encetado várias reuniões, (sobretudo para concertos), enquanto alguns dos seus membros editaram trabalhos a solo. Em 1995 a junção terá sido mais "séria", aproveitando para reeditar o primeiro álbum, pela Silence, e para mostrarem o que fizeram quando tocaram em 1970 no "Festen på Gärdet", o "Woodstock" sueco ("Gardet 12.06.1970", Subliminal Sounds, 1996). Em 2002 editaram mesmo um novo álbum, "Ajn Schvajn Draj" (Silence). Um DVD - "From Möja to Minneapolis" - documenta digressões da segunda encarnação do grupo bem como gravações em 8mm do seu primeiro período. O grupo continua activo.
Foi esta a experiência servida no programa de 4 de Dezembro.

Entrevista com membros do(s) grupo(s), aqui. Na página do grupo actual há informação sobre a discografia disponível.

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