Se o nascimento da música psicadélica japonesa viveu ancorado na importação dos modelos ocidentais do rock n’ roll (como se destacou, no programa anterior, através dos fenómenos Eleki e Group Sounds), também a sua descolagem até uma nova etapa desenvolvimental trilhou os mesmos caminhos. Claro que paralelamente ao Eleki & Group Sounds desenvolvia-se a vertente mais experimental da música japonesa, próxima do movimento Fluxus, e que girava volta de Toshi Ishyianagi, Group Ongaku, Joji Yuasa, Takehisa Kosugi ou Hi-Red Center, entre outros, embora neste caso o seu cunho fosse mais próximo da manifestação conceptual e da improvisação.
Durante a segunda metade de 1968, a cultura urbana japonesa começava a assimilar os ecos hippies que chegavam sobretudo do outro lado do Pacífico, para além de terem os ouvidos bem abertos à música dos Pink Floyd, Hendrix ou Jefferson Airplane. Porém, se no Ocidente a associação do delírio psicotrópico à música psicadélica fosse evidente, no Japão as coisas eram bem diferentes, com as leis proibicionistas do governo e uma aversão cultural geral face ao consumo de drogas.
Enquanto o Group Sounds decaía progressivamente e ficava obsoleto, alguns eventos contribuíram para a emergência de uma nova música psicadélica: a chegada do aclamado espectáculo musical rock Hair ao Japão, não só pelo grande impacto que teve na cultura popular, mas acima de tudo por fomentar o diálogo entre músicos de diversos backgrounds; o regresso ao Japão de algumas figuras que tinham feito um auto-exílio psicadélico no ocidente – caso de Yuya Utchida, que criou um grupo inspirado na cena psicadélica da costa oeste norte-americana, os The Flowers (mais tarde Flower Travellin’ Band), tendo para tal resgatado alguns dos melhores músicos de grupos Group Sounds. O álbum The Challenge! representava isso mesmo, um novo desafio na musica japonesa, desde logo metaforizado pela nudez dos elementos do grupo na capa do disco, que foi composto maioritariamente por versões de temas de Hendrix, The Who, Cream ou Jefferson Airplane, embora com um tema original.
Outros grupos surgiram formados por figuras que haviam pertencido ao Group Sounds, casos do guitarrista Kimio Mizutani, que esteve envolvido nos Out Cast e que participou em algumas das gravações mais importantes da época, para além de em 1971 ter editado A Path Through Haze; ou o teclista Hiro Yanagida, também envolvido em diversos projectos subsequentes de grande relevo, que, com os The Apryl Fool (ex-Group Sounds, The Florals) lançaram um álbum homónimo em 1969 que contém The Lost Mother Land Pt. 1, um dos temas que de forma mais marcada transporta as coordenadas do psicadelismo nipónico – a produção, através da música, de estados alterados de consciência similares ao dos psicotrópicos.
O carácter estereotipado do Group Sounds criava brechas na sua continuidade; alguns grupos que investiam num rock mais pesado (como os Powerhouse ou os The Apryl Fool) e com o formato ácido-psicadélico de grupos ocidentais, eram colocados à margem dos circuitos de concertos. Mudanças sociológicas, à semelhança do que ia acontecendo um pouco por todo o lado, foram ganhando corpo, contribuindo para que franjas contestatárias de jovens universitários e outros que chegavam às grandes urbes se manifestassem e se fizessem notar de forma cada vez mais radical – os futens, os hippies nipónicos; foi inclusive criado um plano do Governo que procurava integrar de forma controlada as suas vozes, ainda que perversamente, tendo sido ocupada uma antiga base militar norte-americana, em Fukuzumi, para acomodar os vários futens que perturbavam a ordem, transformando-se rapidamente numa enorme comuna. Paralelamente, na universidade de Doshishi, em Kyoto, conhecida pelo seu idealismo, organizava um festival rock, o Barricades-a-Go-Go, que teve lugar em Abril de 1969 numa cave do edifício A das instalações da universidade. Entre os grupos que actuaram estavam os Les Rallizes Denudés, composto por revolucionários simpatizantes comunistas e auto-intitulada “A Banda Musical Cigana Negra Radical”. Acreditavam que através das suas actuações praticavam um “total assalto sensorial da cultura”, revelando um forte sentido performativo acompanhado por elementos do grupo de teatro revolucionário Gendai Gejiko (Grupo de Artes Modernas) que conferiam uma atmosfera negra e psicadélica através de espectáculos de luzes, dança e performance improvisada, tudo acompanhado por consideráveis decibéis de feedback emanado da guitarra do vocalista e líder do grupo, Takeshi Mizutani.
A utilização da performance teatral como complemento narrativo da música teve grande expressão na consolidação da música psicadélica. Um bom exemplo foram os Maru-Sankaku-Shikaku (círculo, triângulo, quadrado), um quinteto-comuna notável pelos seus exuberantes concertos de rua improvisados onde os elementos do grupo apareciam de cara pintada e com devaneios clown, era liderado pelo baterista Sakuro “Kant” Watanabe, que havia feito parte de muitas acções do grupo de instalações e performance conceptual Fluxus, Hi-Red Center, bastante activo alguns anos antes. O grupo, cuja designação deriva das ideias do filósofo Immanuel Kant, editou um triplo-LP homónimo em 1971, composto por longas faixas improvisadas.
Também os Zuno-Keisatsu (Brain Police) podiam incluir-se neste lote, embora de forma mais extrema e desafiadora das autoridades. Este duo, saído das Foku Gerira, guerrilhas-folk urbanas constituídas por estudantes-activistas moldados pelos ideais dos precedentes Hi-Red Center ou pelos norte-americanos Black Panthers, faziam música acústica com forte pendor político revolucionário.
Paulatinamente, uma nova música nascia. À imagem de algumas produções ocidentais, também algumas super-sessões foram gravadas, integrando alguns dos músicos rock mais credenciados da época. Patrocinados por Ikuzo Orita, patrão da Polydor Records, e impulsionado por Yuya Utchida, estas sessões visaram credibilizar e consolidar a cena do “Novo Rock” que estava a surgir. Essas sessões, gravadas sobretudo em 1970 e 1971, foram pautadas pelo experimentalismo e pelo risco e contaram com a omnipresença de nomes como Kimio Mizutani, Hiro Yanagida ou Shinki Chen. Alguns exemplos, entre outros, são o disco dos Foodbrain, A Social Gathering, Shinki Chen & Friends, Love Live Life +1, com Love Will Make a Better You, ou Amalgamation, de Masahiko Satoh & The Soundbreakers. Enquanto o disco de Foodbrain é pautado por incursões delirantes do órgão de Yanagida e a guitarra de Chen, a reunião dos amigos de Chen serve-se com o feedback e distorção da guitarra do mestre de cerimónias, ambos a destilarem a energia primal do rock. Quanto ao disco dos Love Live Life +1 rege-se pela ideia de unir o free-jazz, vozes soul e riffs de guitarras; Amalgamation é a tradução híbrida da formação de pianista de jazz de Satoh com a influência dos trabalhos de Stockhausen e a guitarra de Kimio Mizutani, numa miscelânea em constante mutação estilística.
Grupos como os Flower Travellin’ Band, que em 1970 editava o seu primeiro LP Anywere, Lost Aaraaff, Taj Mahal Travellers, Far East Family Band ou Magical Power Mako são nomes supremos dos recônditos caminhos da música psicadélica que viria a implantar-se definitivamente no contexto japonês. A relevância para este tema não é de todo de menosprezar, e atenção futura do Laboratorio Chimico concerteza se concretizará.
A 18 de Dezembro, o Laboratorio Chimico renovou os reagentes da experiência psicadélica nipónica, ressoando pelas colunas de alta-fidelidade e transistores os seguintes artistas:
Durante a segunda metade de 1968, a cultura urbana japonesa começava a assimilar os ecos hippies que chegavam sobretudo do outro lado do Pacífico, para além de terem os ouvidos bem abertos à música dos Pink Floyd, Hendrix ou Jefferson Airplane. Porém, se no Ocidente a associação do delírio psicotrópico à música psicadélica fosse evidente, no Japão as coisas eram bem diferentes, com as leis proibicionistas do governo e uma aversão cultural geral face ao consumo de drogas.
Enquanto o Group Sounds decaía progressivamente e ficava obsoleto, alguns eventos contribuíram para a emergência de uma nova música psicadélica: a chegada do aclamado espectáculo musical rock Hair ao Japão, não só pelo grande impacto que teve na cultura popular, mas acima de tudo por fomentar o diálogo entre músicos de diversos backgrounds; o regresso ao Japão de algumas figuras que tinham feito um auto-exílio psicadélico no ocidente – caso de Yuya Utchida, que criou um grupo inspirado na cena psicadélica da costa oeste norte-americana, os The Flowers (mais tarde Flower Travellin’ Band), tendo para tal resgatado alguns dos melhores músicos de grupos Group Sounds. O álbum The Challenge! representava isso mesmo, um novo desafio na musica japonesa, desde logo metaforizado pela nudez dos elementos do grupo na capa do disco, que foi composto maioritariamente por versões de temas de Hendrix, The Who, Cream ou Jefferson Airplane, embora com um tema original.
Outros grupos surgiram formados por figuras que haviam pertencido ao Group Sounds, casos do guitarrista Kimio Mizutani, que esteve envolvido nos Out Cast e que participou em algumas das gravações mais importantes da época, para além de em 1971 ter editado A Path Through Haze; ou o teclista Hiro Yanagida, também envolvido em diversos projectos subsequentes de grande relevo, que, com os The Apryl Fool (ex-Group Sounds, The Florals) lançaram um álbum homónimo em 1969 que contém The Lost Mother Land Pt. 1, um dos temas que de forma mais marcada transporta as coordenadas do psicadelismo nipónico – a produção, através da música, de estados alterados de consciência similares ao dos psicotrópicos.
O carácter estereotipado do Group Sounds criava brechas na sua continuidade; alguns grupos que investiam num rock mais pesado (como os Powerhouse ou os The Apryl Fool) e com o formato ácido-psicadélico de grupos ocidentais, eram colocados à margem dos circuitos de concertos. Mudanças sociológicas, à semelhança do que ia acontecendo um pouco por todo o lado, foram ganhando corpo, contribuindo para que franjas contestatárias de jovens universitários e outros que chegavam às grandes urbes se manifestassem e se fizessem notar de forma cada vez mais radical – os futens, os hippies nipónicos; foi inclusive criado um plano do Governo que procurava integrar de forma controlada as suas vozes, ainda que perversamente, tendo sido ocupada uma antiga base militar norte-americana, em Fukuzumi, para acomodar os vários futens que perturbavam a ordem, transformando-se rapidamente numa enorme comuna. Paralelamente, na universidade de Doshishi, em Kyoto, conhecida pelo seu idealismo, organizava um festival rock, o Barricades-a-Go-Go, que teve lugar em Abril de 1969 numa cave do edifício A das instalações da universidade. Entre os grupos que actuaram estavam os Les Rallizes Denudés, composto por revolucionários simpatizantes comunistas e auto-intitulada “A Banda Musical Cigana Negra Radical”. Acreditavam que através das suas actuações praticavam um “total assalto sensorial da cultura”, revelando um forte sentido performativo acompanhado por elementos do grupo de teatro revolucionário Gendai Gejiko (Grupo de Artes Modernas) que conferiam uma atmosfera negra e psicadélica através de espectáculos de luzes, dança e performance improvisada, tudo acompanhado por consideráveis decibéis de feedback emanado da guitarra do vocalista e líder do grupo, Takeshi Mizutani.
A utilização da performance teatral como complemento narrativo da música teve grande expressão na consolidação da música psicadélica. Um bom exemplo foram os Maru-Sankaku-Shikaku (círculo, triângulo, quadrado), um quinteto-comuna notável pelos seus exuberantes concertos de rua improvisados onde os elementos do grupo apareciam de cara pintada e com devaneios clown, era liderado pelo baterista Sakuro “Kant” Watanabe, que havia feito parte de muitas acções do grupo de instalações e performance conceptual Fluxus, Hi-Red Center, bastante activo alguns anos antes. O grupo, cuja designação deriva das ideias do filósofo Immanuel Kant, editou um triplo-LP homónimo em 1971, composto por longas faixas improvisadas.
Também os Zuno-Keisatsu (Brain Police) podiam incluir-se neste lote, embora de forma mais extrema e desafiadora das autoridades. Este duo, saído das Foku Gerira, guerrilhas-folk urbanas constituídas por estudantes-activistas moldados pelos ideais dos precedentes Hi-Red Center ou pelos norte-americanos Black Panthers, faziam música acústica com forte pendor político revolucionário.
Paulatinamente, uma nova música nascia. À imagem de algumas produções ocidentais, também algumas super-sessões foram gravadas, integrando alguns dos músicos rock mais credenciados da época. Patrocinados por Ikuzo Orita, patrão da Polydor Records, e impulsionado por Yuya Utchida, estas sessões visaram credibilizar e consolidar a cena do “Novo Rock” que estava a surgir. Essas sessões, gravadas sobretudo em 1970 e 1971, foram pautadas pelo experimentalismo e pelo risco e contaram com a omnipresença de nomes como Kimio Mizutani, Hiro Yanagida ou Shinki Chen. Alguns exemplos, entre outros, são o disco dos Foodbrain, A Social Gathering, Shinki Chen & Friends, Love Live Life +1, com Love Will Make a Better You, ou Amalgamation, de Masahiko Satoh & The Soundbreakers. Enquanto o disco de Foodbrain é pautado por incursões delirantes do órgão de Yanagida e a guitarra de Chen, a reunião dos amigos de Chen serve-se com o feedback e distorção da guitarra do mestre de cerimónias, ambos a destilarem a energia primal do rock. Quanto ao disco dos Love Live Life +1 rege-se pela ideia de unir o free-jazz, vozes soul e riffs de guitarras; Amalgamation é a tradução híbrida da formação de pianista de jazz de Satoh com a influência dos trabalhos de Stockhausen e a guitarra de Kimio Mizutani, numa miscelânea em constante mutação estilística.
Grupos como os Flower Travellin’ Band, que em 1970 editava o seu primeiro LP Anywere, Lost Aaraaff, Taj Mahal Travellers, Far East Family Band ou Magical Power Mako são nomes supremos dos recônditos caminhos da música psicadélica que viria a implantar-se definitivamente no contexto japonês. A relevância para este tema não é de todo de menosprezar, e atenção futura do Laboratorio Chimico concerteza se concretizará.
A 18 de Dezembro, o Laboratorio Chimico renovou os reagentes da experiência psicadélica nipónica, ressoando pelas colunas de alta-fidelidade e transistores os seguintes artistas:
Foodbrain - Waltz For M.P.B. (A Social Gathering, 1970)
Yuya Uchida & The Flowers - Hidariashi No Otoko (Challenge!, 1969)
The Apryl Fool - Lost Mother Land Pt. 1 (Apryl Fool, 1969)
Les Rallizes Denudés - Smokin' Cigarette Blues (exct.) (67-69 Studio et Live, 1991)
Les Rallizes Denudés - Otherwise My Conviction (67-69 Studio et Live, 1991)
Maru-Sankaku-Shikaku - Sankaku Pt. II (exct.) - (Maru-Sankaku-Shikaku, 1971)
Zuno-Keisatsu - Tsotsu O Tore (Zuno-Keisatsu, 1971)
Foodbrain - That Will Do (A Social Gathering, 1970)
Shinki Chen & Friends - It Was Only Yesterday (Shinky Chen & Friends, 1970)
Love Live Life +1 - Shadows of the Mind (Love Will Make a Better You, 1970)
Masahiko Satoh & The Soundbreakers - Pt. 1 (exct.) (Amalgamation, 1971)
Yuya Uchida & The Flowers - Hidariashi No Otoko (Challenge!, 1969)
The Apryl Fool - Lost Mother Land Pt. 1 (Apryl Fool, 1969)
Les Rallizes Denudés - Smokin' Cigarette Blues (exct.) (67-69 Studio et Live, 1991)
Les Rallizes Denudés - Otherwise My Conviction (67-69 Studio et Live, 1991)
Maru-Sankaku-Shikaku - Sankaku Pt. II (exct.) - (Maru-Sankaku-Shikaku, 1971)
Zuno-Keisatsu - Tsotsu O Tore (Zuno-Keisatsu, 1971)
Foodbrain - That Will Do (A Social Gathering, 1970)
Shinki Chen & Friends - It Was Only Yesterday (Shinky Chen & Friends, 1970)
Love Live Life +1 - Shadows of the Mind (Love Will Make a Better You, 1970)
Masahiko Satoh & The Soundbreakers - Pt. 1 (exct.) (Amalgamation, 1971)
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