Quando se fala em música psicadélica, há instrumentos que dela parecem indissociáveis, como as guitarras eléctricas, normalmente artilhadas de pedais de efeitos, wah-wah, reverberação e distorção, ou instrumentos que se tornaram muito comuns numa cultura aberta à espiritualidade e às sonoridades orientais, como, por ex., o sithar indiano. As razões dessas associações prendem-se provavelmente com as suas características tímbricas, com a sua versatilidade cromática que permite ao músico afastar-se de uma tonalidade fixa e assim libertar os ouvidos de uma cultura tonal tradicional, ressoando o novo mundo de percepções aberto pelas experiências psicotrópicas. Mas há também instrumentos, cuja estranheza e improbabilidade parecem assentar como uma luva de seis dedos no carácter vibrante e alucinatório dessas viagens da mente. Estou a falar do berimbau ou, como se diz em americano, “jews harp”, a harpa judia. A sua potência delirante será tanto maior quanto se aumentar o número de berimbaus a saltitar na atmosfera líquida e distorcida de uma trip como os cardos enovelados no vento do deserto. É, precisamente, uma banda de berimbaus – a Harvey Matusow’s Jews Harp Band – que ouvimos no programa de 27 de Novembro, e o seu estranhíssimo e obscuro LP de 1969, “War Between Fats and Thins”.
Mas se este álbum parece bizarro, ele não é senão uma amostra da excentricidade que foi a vida do seu autor. Nascido no Bronx em 1926, Harvey Matusow era já um carteirista aos dez anos de idade, mais tarde tornar-se-ia um famoso delator, trabalhando para o senador McCarthy, antes de, ao denunciar os seus próprios falsos testemunhos, na caça às bruxas, ao serviço do mccarthismo, ter sido condenado por perjúrio a cinco anos de prisão, que cumpriu na cela adjacente à de Wilhelm Reich e muito próximo do mafioso Frank Costello. Este mentiroso profissional e honesto condenado (já que foi, finalmente, preso por dizer uma verdade incómoda e não-oficial) fora, então, baptizado pelo The National Enquirer e outros jornais da época como o “Homem mais Odiado da América”. No entanto, as contradições inverosímeis deste improvável músico, cineasta experimental, comediante de stand-up, autor de programas de televisão infantis e até palhaço – “Cockyboo the Clown” – ao serviço de causas sociais, só se entendem se soubermos que, antes de delator, ele foi membro do Partido Comunista Americano, participou no revivalismo da música folk nos anos 40/50 antes de ter contribuído para destruir a vida e a carreira de um dos seus principais grupos – os Weavers -, viveu como um príncipe em Washington antes de ser preso e depois dedicou-se à arte e ao mundo editorial, sendo um dos fundadores do jornal “The East Village Other”; conheceu Timothy Leary com quem foi iniciado nas trips de LSD, antes de ele mesmo iniciar Robert Kennedy nos ácidos; privou com Andy Warhol e com os artistas de vanguarda do movimento Fluxus. Em Inglaterra, para onde decidiu exilar-se, trabalhou com Yoko Ono em filmes experimentais e organizou um dos maiores festivais de música de vanguarda de Londres – o ICES 72. Casou com Anna Lockwood (uma das suas doze esposas legítimas) e gravou este disco com ela, com Rod Parsons, Claude Lintot, Chris Yak e Leslie Kenton, enquanto digeriam o ácido lisérgico.
O álbum é composto por breves monólogos de Harvey Matusow, onde disserta filosoficamente sobre esse conflito social que divide gordos e magros, numa espécie de clarividência paranóica que dá um tom profético ao seu discurso, mas também narra eventos passados da sua história pessoal, nomeadamente, o momento após ter sido libertado da prisão e as consequências da sua escandalosa líbido. Entre os monólogos há momentos instrumentais onde se destacam os omnipresentes berimbaus, ainda que, por vezes, acompanhados por sinos índios, gongos tibetanos, guitarras de duas cordas e outros brinquedos sonoros, numa atmosfera de puro freak out. Apesar da bizarria e das consciências alteradas, o álbum tem uma surpreendente consistência e inesperada unidade.
Para saber mais sobre a incrível vida de Harvey Matusow e para poder escutar e fazer o download de todas as faixas do disco "War Between Fats and Thins", visitar o site da rádio nova-iorquina WFMU ou experimentar já nos links abaixo.
Lado A
Wet Socks
War Between Fats and Thins
Clootch Hunt
Eighteen Nuns
Velvet Tooth Paste
Carroll
Lado B
Afghan Red
Poo Children on Mountain
Scat Rat
The Officials
Motherhood Is No Accident
Margie Swiss Cheese
Mas se este álbum parece bizarro, ele não é senão uma amostra da excentricidade que foi a vida do seu autor. Nascido no Bronx em 1926, Harvey Matusow era já um carteirista aos dez anos de idade, mais tarde tornar-se-ia um famoso delator, trabalhando para o senador McCarthy, antes de, ao denunciar os seus próprios falsos testemunhos, na caça às bruxas, ao serviço do mccarthismo, ter sido condenado por perjúrio a cinco anos de prisão, que cumpriu na cela adjacente à de Wilhelm Reich e muito próximo do mafioso Frank Costello. Este mentiroso profissional e honesto condenado (já que foi, finalmente, preso por dizer uma verdade incómoda e não-oficial) fora, então, baptizado pelo The National Enquirer e outros jornais da época como o “Homem mais Odiado da América”. No entanto, as contradições inverosímeis deste improvável músico, cineasta experimental, comediante de stand-up, autor de programas de televisão infantis e até palhaço – “Cockyboo the Clown” – ao serviço de causas sociais, só se entendem se soubermos que, antes de delator, ele foi membro do Partido Comunista Americano, participou no revivalismo da música folk nos anos 40/50 antes de ter contribuído para destruir a vida e a carreira de um dos seus principais grupos – os Weavers -, viveu como um príncipe em Washington antes de ser preso e depois dedicou-se à arte e ao mundo editorial, sendo um dos fundadores do jornal “The East Village Other”; conheceu Timothy Leary com quem foi iniciado nas trips de LSD, antes de ele mesmo iniciar Robert Kennedy nos ácidos; privou com Andy Warhol e com os artistas de vanguarda do movimento Fluxus. Em Inglaterra, para onde decidiu exilar-se, trabalhou com Yoko Ono em filmes experimentais e organizou um dos maiores festivais de música de vanguarda de Londres – o ICES 72. Casou com Anna Lockwood (uma das suas doze esposas legítimas) e gravou este disco com ela, com Rod Parsons, Claude Lintot, Chris Yak e Leslie Kenton, enquanto digeriam o ácido lisérgico.
O álbum é composto por breves monólogos de Harvey Matusow, onde disserta filosoficamente sobre esse conflito social que divide gordos e magros, numa espécie de clarividência paranóica que dá um tom profético ao seu discurso, mas também narra eventos passados da sua história pessoal, nomeadamente, o momento após ter sido libertado da prisão e as consequências da sua escandalosa líbido. Entre os monólogos há momentos instrumentais onde se destacam os omnipresentes berimbaus, ainda que, por vezes, acompanhados por sinos índios, gongos tibetanos, guitarras de duas cordas e outros brinquedos sonoros, numa atmosfera de puro freak out. Apesar da bizarria e das consciências alteradas, o álbum tem uma surpreendente consistência e inesperada unidade.
Para saber mais sobre a incrível vida de Harvey Matusow e para poder escutar e fazer o download de todas as faixas do disco "War Between Fats and Thins", visitar o site da rádio nova-iorquina WFMU ou experimentar já nos links abaixo.
Lado A
Wet Socks
War Between Fats and Thins
Clootch Hunt
Eighteen Nuns
Velvet Tooth Paste
Carroll
Lado B
Afghan Red
Poo Children on Mountain
Scat Rat
The Officials
Motherhood Is No Accident
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