Svezia, Inferno e Paradiso (1968)

Pelo menos desde o fim da Idade Média, com Dante Alighieri, na Divina Comédia, que ficou provada a vocação dos italianos para explorar os lugares mais obscuros, mas também, os mais ofuscantes que a natureza humana povoa. Somente a estóica fibra de carácter, herdada de Cícero e Séneca, permitiria a um italiano atravessar recônditas paisagens onde a luz não chega, como o sulfuroso inferno, ou onde ela se reflecte num excesso luminoso mais próprio para obcecar do que para esclarecer, como no paraíso. Mas que sorriso lascivo esboçaria ou que esgar de terror contorceria o rosto de Dante se fosse obrigado a confrontar-se com as cabeças douradas das beldades indígenas ou o resplandecente mas gélido manto branco que oferece o cenário à distópica realidade social da Suécia no final dos anos sessenta? Um admirável mundo novo onde a aparente felicidade estampada nos rostos dos transeuntes, supostamente promovida pela liberdade das suas leis permissivas e pela paz de um sistema democrático e providencial, esconde o lado oculto dos seus excessos e da sua impiedade.



“Svezia, Inferno e Paradiso” é o produto da temeridade do realizador Luigi Scattini e da sua equipa que, em 1968, revelou a face escondida e purulenta de uma ilusão revolucionária – a social democracia -, povoada por uma tribo de anjos com tranças louras e generosas glândulas mamárias que demasiado facilmente se revelam. Para que finalidade se promove a educação sexual nas escolas e a liberdade de difusão de imagens pornográficas nas revistas e na televisão senão para gerar desvios e distorções nos espíritos inocentes daquelas jovens que acabam por se entregar à promiscuidade do “amor livre”, quando não mesmo à ignomínia contra-natural do lesbianismo, agravado pelo consumo de álcool e de drogas em clubes nocturnos, onde a syrinx dionisíaca da moda hippie perverte os sentidos em bacanais repletas de bustos desnudados? Já para não falar do acasalamento entre irmãos de sangue que abandonam a cidade para no campo bucólico profanarem os corpos com a sua relação incestuosa, ou daquela agente da polícia municipal que no luar da meia-noite se expõe às objectivas das câmaras fotográficas, ou ainda dos bandos de motociclistas que sustentam a sua perversidade com uma cadeia infinita de violação e estupro juvenil, mas também da degradação daqueles alcoólicos que são obrigados a recorrer aos urinóis públicos e à graxa de sapatos para suprir as necessidades num país que pune severamente a venda de licores, numa cidade, como Estocolmo, que tem os seus becos manchados do sangue dos jovens que não suportam mais viver num país onde nada lhes falta e onde têm demasiada liberdade!



Escandaloso? Sensacionalista? Incongruente? Exagerado? Todos esses epítetos assentam que nem uma luva neste pseudo-documentário, cujo género fora iniciado com “Mondo Cane”, de Paolo Cavara, em 1962, e popularizado na América por “Mondo Topless”, de Russ Meyer, de 1966. Na verdade, a hilariante perspectiva antropológica não faz senão perpetuar os clichés e preconceitos que na época havia relativamente à progressista sociedade sueca, distorcida pelas imagens eróticas e descomplexadas de “Mónika e o Desejo” (de I. Bergman), por exemplo, mas sobretudo pelas mentes apaixonadas, ainda que reprimidas, do universo machista e misógino da sociedade cristo-latina. Um apontamento particular para Piero Umiliani, o profícuo compositor da divertida banda sonora, onde surge a versão original do famosíssimo “Mah na mah na”, celebrizado mais tarde pelos “Marretas” de Jim Henson. Numa disposição lounge e easy-listening, Umiliani capta as modas musicais do momento, explorando a vaga hippie e pseudo-psicadélica que começava a contaminar a música ligeira, para sublinhar as cenas de deslumbramento sensual. Num projecto paralelo e obscuro, Braen’s Machine, juntamente com o talentoso guitarrista e assobiador Alessandro Alessandroni (o famoso assobio nas bandas sonoras de Ennio Morricone para filmes Western Spaghetti), nomeadamente no álbum "Underground" – a banda sonora de um filme inexistente -, a vaga psicadelizante é explorada ao extremo.

13 comments:

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Gárgula Eléctrica said...

Obrigado/gracias, filomeno2006, pela informação e pelo teu interesse.

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Guely of Sweden said...

I live in Sweden and there's nothing like this :(

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