Numa tarde de Outubro, em 1953, quando regressava a casa depois de uma árdua jornada de trabalho na Lockheed Corporation em Loas Angeles, Orfeo Angelucci vê-se subitamente vítima de rapto por seres oriundos de um outro planeta. Sugado para o interior de um disco voador e catapultado para um lugar incerto, algures no espaço sideral, a milhares de kilómetros da Terra, Orfeo ouve uma voz que o incitava a chorar pelos pecados da humanidade, seguindo-se um zumbido e uma vibração rítmica que nele induziu um estado semi-onírico. A sala onde se encontrava torna-se escura e notas musicais são vertidas através das paredes, tomando a forma de uma melodia evocativa de visões de planetas e galáxias em movimento harmonioso.
O estranho rapto de Orfeo inscreve-se num lugar comum dos anos 1950, analisado em profundidade pelo psicanalista Carl Jung na obra de 1959, "Flying Saucers: A Modern Myth of Things Seen in the Skies": a abducção involuntária e iluminação subsequente de terráqueos por visitantes alienígenas. Mas o caso de Orfeo detinha uma outra particularidade, a associação desta experiência à audição de sons organizados, cuja ênfase na harmonia recapitula a música das esferas de Platão, de um Cosmos em revolução incessante, cujos movimentos se traduzem numa composição musical estruturada e significativa.
Em 1967, o astronauta e cientista Story Musgrave relatava que, na sua última missão ao espaço, havia escutado uma música misteriosa, nobre e magnificiente, mas os seus colegas de viagem não corroboraram esta história, condenando Musgrave a olhares furtivos e comentários jocosos que ecoavam nos corredores da NASA.
Música e Cosmos encontram-se desde sempre interconectados, mas durante os anos 1950, pelos condicionamentos históricos da corrida ao espaço e da Guerra Fria, a par com o desenvolvimento de novas tecnologias estereofónicas e de gravação de som, acabaram por ser profícuos em registos discográficos que procuravam mimetizar a ambiência do grande infinito.
Neste contexto, um elemento do restrito e elitista grupo que clamava estar ou ter estado em contacto com formas de vida extraterrestre, dotado de um sentido comercial mais apurado que os seus pares, resolveu traduzir as suas experiências num livro intitulado "From Outer Space To You", mas mais relevante, ocorreu-lhe sulcar os trilhos do vinil, replicando a música que ouviu de um estranho piano, adornado por caracteres bizarros e tocado por um indivíduo natural de Saturno, no álbum "Authentic Music From Another Planet". Howard Menger gravou assim o seu nome na história da música contemporânea, através de singelas composições para piano, flutuantes e desfocadas, cujo elevado grau de reverberação a elas imprimido, conferia-lhes a dimensão extraterrestrial almejada. Para além destes aspectos formais, era igualmente veiculada uma mensagem de iluminação, uma promessa de alteração da consciência global aos ouvintes do disco.
"Eye of God" (Helix Nebula)
O sentido e a tónica colocada na espacialização da space music é o motivo pelo qual o crítico David Hurwitz considera "The Creation", peça de 1798 de Joseph Haydn, como um dos primeiros exemplos deste género, patente nos rasgos de violino a simularem o fulgurante movimento do caos primordial. Não será de estranhar que esta composição surge no seguimento de uma conversa entre Haydn e William Herschel, astrónomo que descobriu o planeta Urano, sobre a relação entre música e astronomia. Estavam lançadas as sementes para um diálogo incessante entre estes dois campos, o qual atingiu o seu apogeu nas décadas de 1940 e 1950, no multifacetado terreno do easy-listening. Mas isso será matéria para uma outra emissão do Laboratório Chimico.
Playlist, 18 de Fevereiro de 2010:
Steve Roach - "Between The Gray And The Purple" (The Magnificient Void)
Steve Roach - "Void Memory One" (The Magnificient Void)
Howard Menger & Coil - "Saturn Suite"
Howard Menger - "Marla" (Authentic Music From Another Planet)
Howard Menger - "A Theme From Saturn" (Authentic Music From Another Planet)
Howard Menger - "The Song From Saturn" (Authentic Music From Another Planet)
Joseph Haydn - "Einleitung Und Die Vorstellung Des Chaos" (The Creation)
1 comment:
excelente! :)
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