Inner Space

Antes de serem os Can (e mesmo The Can) foram Inner Space. Isto depois de cada um dos elementos da formação inicial do dito grupo (Irmin Schmidt, Holger Czuckay, Jaki Liebezeit, David Johnston, Mikael Karoli e depois, esporadicamente, Malcom Mooney) ter tido experiências musicais e artísticas diversas, desde a composição de bandas-sonoras para peças de teatro e documentários, até à escultura, passando pelo jazz ou por grupos blues-rock mais convencionais, ou pelos corredores do ensino musical académico, ou ainda assistindo Karlheinz Stockhausen na produção de algumas peças do referido compositor - e aqui a ordem apresentada não condiz necessariamente com os nomes anteriormente referidos. Algures em 1968 este grupo de indivíduos entreteve-se a compor temas para alguns filmes de série B germânicos, parte deles incluídos em álbuns como Soundtracks ou Delay 1968 (dos Can), em grande medida materializando o fascínio de Irmin Schmidt pela criação de música para cinema - assunto que de resto o senhor retomaria mais tarde na sua discografia, já depois da desintegração dos Can. Por essa altura foram editados dois 7'' com os temas mais emblemáticos das películas, as canções, como se de trailers se tratassem - Agilok & Blubbo / Kamera Song, lançado pela Deutch Vague, e Kamasutra / I'm Hiding My Nightingale, na Metronome. Acontece que em 2009 foram editados dois álbuns creditados ao grupo que o Laboratorio Chimico de 28 de Janeiro de 2010 destacou, compostos por temas da banda-sonora completa de dois filmes, ambos de 1969, Agilok & Blubbo (Wah Wha Records) e Kamasutra: Vollendung der Liebe (Crippled Dick Hot Wax) - neste, com Schmidt a receber louros de creditação -, realizados, respecivamente, por Peter Schneider e Kobi Jaeger.
Estes discos reflectem bem o contexto musical da época, e concretamente as infinitas possibilidades que a relação simbiótica entre entusiastas realizadores independentes e grupos de música experimental proporcionavam e que estes encetaram amiúde. Este contexto potenciava a que narrativas cinematográficas oscilantes e socialmente atentas face a temas emergentes - neste caso, a contemplação erótica-sexual e a sátira político-revolucionária - se cruzassem com a ânsia exploratória de muitos grupos musicais, que por entre fumos e sonhos de liberdade davam largas à criação e contribuiam para que caleidoscópios sinestésicos invadissem ouvintes e espectadores. Parte do interesse das referidas edições reside também no conhecimento do período pré-Can e dos tempos anunciadores do rock alemão que daí a pouco eclodiria para a posteridade como um novo ano zero (?!). Se os trabalhos anteriores de Holger Czuckay no projecto Canaxis denunciavam a curiosidade pelas emergentes possibilidades do estúdio, estes discos mostram-nos que outras idiossincrasias da sonoridade do grupo já por aqui se anunciavam e que o mítico estúdio em Colónia que a banda baptizou de Inner Space não deve o epíteto somente à proclamação da introspecção criativa para a regurgitação de pedras preciosas.

Ouvir.

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