Rock prateado com sabor a maçã

Café Wha!, East Village, Nova Iorque, 1967: Simeon Coxe, vocalista dos "The Overland Stage Electric Band", o grupo de blues-rock que habitualmente tocava naquele café, faz irromper estranhos sons provenientes de um antigo oscilador nos tempos-mortos da actuação do grupo e esporadicamente nalguns temas; o público gosta, e o dono do café também, ao invés da maioria dos restantes elementos do grupo, que amuam, desagradados pela "ousadia electrónica" de Coxe; apenas o baterista Dan Taylor esboça um acompanhamento percussivo para os sons do oscilador, num diálogo quão estranho quanto promissor; pouco depois o grupo desmembra-se. Terá sido este o episódio fundador dos Silver Apples, seminal duo de rock electrónico norte-americano e dos primeiros a acoplarem a tradição vanguardista da música electrónica com estruturas que repousam na música popular. O nome do grupo deveu-se à admiração de Simeon Coxe pelo poema, "The Song of the Wondering Angus", do poeta irlandês William Yeats. A influência literária nos Silver Apples não se fica por aqui, já que grande parte das letras do primeiro disco do grupo foram adaptadas de alguns trabalhos da obra do poeta norte-americano Stanley Warren.

Não se pense, contudo, que o background musical do duo Coxe-Taylor repousa nos bem apetrechados estúdios de universidades ou de estações de rádio da época. Ambos tiveram previamente aventuras musicais mais ou menos efémeras e em part-time de outras actividades. Simeon Coxe entretanto concebera um gigantesco sintetizador que baptizou com o seu prórpio nome, não fosse uma verdadeira extensão biónica do seu próprio corpo. O epicentro sonoro dos Silver Apples residia precisamente nos ritmos de tal aparelho, no qual Coxe manipulava uma míriade de de osciladores, filtros, pedais de efeitos e uma panóplia de equipamento electrónico reciclado recorrendo às suas mãos, pés, joelhos e cotovelos. O "Simeon" produzia uma espiral repetitiva de padrões melódicos electrónicos que se interligavam com os ritmos orgânicos da bataria de Taylor e com a voz trémula e ofuscada de Coxe, conferindo à sonoridade do grupo uma aura futurista tida como percussora de estruturas proto-punk, synth-pop ou techno.
Os Silver Apples existiram em dois períodos separados por um hiato de quase 30 anos. Lançaram dois álbuns no final da década de 60 - "Silver Apples", em 1968, e "Contact" no ano seguinte, ambos editados pela Kaarp Records -, desmantelando-se em 1970 no seguimento de atritos com a editora. Não conseguindo editora para a edição de um terceiro disco, algum do material até então gravado foi posto de lado, sendo mais tarde recuperado e incluído em "Gardens", disco de 1998. Este registo marca a ressureição do grupo (que incluiu outros elementos, como Xian Hawkins e Joe Profetier), impulsionada pela reedição dos dois primeiros álbuns e pelo crescente reconhecimento da sua influência na sonoridade de grupos como os Stereolab ou Spectrum, como documentado no disco tributo "Electronic Evocations: a tribute to Silver Apples" (Enraptured, 1997), ou no split com Spectrum, "A lake of teardrops" (Space Age Records, 1998). Outros álbuns se seguiram nesse mesmo ano, "Beacon" e "Decatur" (Whirlybird Records), com este último a narrar uma incursão por explorações sónicas experimentais longe da estrutura tipica dos Silver Apples. Ainda nesse anos de 1998, esta segunda vida do grupo foi tragicamente interrompida por um acidente de viação durante a tourné norte-americana que deixou Simeon Coxe com lesões que o impossibilitaram de continuar, regressando em 2000 para colaborar com os britânicos The Alchemysts.

Desde 2007, e já depois da morte de Dan Taylor, Coxe grava com Alan Vega (Suicide) um tema para o disco tributo aos The Monks - lendária banda norte-americana que assentou arraiais na Alemanha na década de 60, e que ajudou a esculpir o pulsar motórico do Krautrock -, "Silver Monk Time", que serviu de banda sonora ao filme-documentário "Monks: The Transatlantic Feedback". As inúmeras actuações ao vivo contam com a incorporação de um drum kit ao Simeon. Em 2008 os Silver Apples voltaram a gravar originais: o EP "Gremlins", lançado pela editora de Coxe, a Gifted Children Records.

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