Tarefa ingrata esta de tentar encapsular numa hora a obra de John Balance e Peter Christopherson, figuras de proa da música electrónica britânica, cujos discos são, na maior parte das vezes, explorações sónicas de vivências psicotrópicas e estados alterados de consciência. Talvez o melhor caminho seja mesmo deixar fluir livremente as correntes do éter através de uma recapitulação diacrónica das várias fases do desenvolvimento deste projecto, começando pelo princípio, quando ainda não se chamavam Coil, mas Zos Kia, designação derivada do sistema mágico divisado pelo artista britânico Austin Osman Spare, Zos Kia Cultus. Sob este símbolo, e na companhia de John Gosling dos Psychic TV, editaram "Transparent", um albúm que, apesar de marcadamente industrial, já continha mantras motóricos bordados com artefactos electrónicos que evocavam as influências do Krautrock dos anos setenta e traçavam caminhos a trilhar no futuro.
"Scatology" de 1984, e "Horse Rotorvator" de 1986, marcam o início da discografia propriamente dita dos Coil no formato de duo. De um lado surgia Peter Christopherson, executor pragmático, trabalhador incansável, e virtuoso da electrónica. Literalmente do outro lado aparecia John Balance, intuitivo, imprevísivel, virtuoso do ocultismo. Seguir-se-ia "LSD" ou "Love's Secret Domain" de 1991, onde se evidenciavam as influências do Acid House, uma das várias substâncias que Balance e Christopherson consumiam em doses massivas nos clubes londrinos, mas onde permanece o experimentalismo, a utilização de cut-ups, a aleatorização e as referências ocultistas que pontuavam os primeiros álbuns, métodos criativos que nos remetem para as influências não musicais que permearam o trabalho destes músicos, tais como William Burroughs ou Aleister Crowley.
Os anos noventa viram ainda surgir uma multiplicidade de projectos paralelos como Time Machines, Black Light District, The Eskaton e, talvez o mais curioso e enigmático de todos, ELph, uma entidade alienígena que John Balance e Peter Christopherson afirmavam manifestar-se no processo de síntese sonora quando as máquinas trabalhavam em modo automático, que acabou por ficar indelevelmente associada à origem da estética Glitch.
As drogas sempre tiveram lugar de destaque no imaginário de Coil, mas em 1998, através do projecto Time Machines, esta influência é levada até ao seu expoente máximo com a edição de um longa duração composto por quatro faixas, cada uma delas com o nome de um composto alucinogéneo. Um exercício auditivo de dissolução da dimensão temporal de aproximadamente uma hora de enleados drones psicotrópicos em que apenas emergiam quatro notas musicais, sujeitas a rigorosos testes em estúdio para maximizar o seu potencial narcótico.
Muitos foram os discos que se seguiram, praticamente todos através de editoras auto-geridas pelo grupo como a Thresholdhouse ou a Eskaton, mas em termos puramente narrativos, poucas histórias descrevem de melhor forma o mundo Coil como a experiência transcendental descrita num artigo dedicado ao grupo na revista Wire. Aqui podemos ler que numa pista de dança de um clube londrino às quatro da madrugada, e com um regime alimentício composto por uma mistura de ácidos e ecstasy, Balance experienciou uma revelação apocalíptica, o aparecimento de um anjo portador de conhecimento e iluminação, um convidado astral, indesejado pela hora tardia e desejos carnais por consumir, que ficaria imortalizado na faixa "Tiny Golden Books" do segundo volume de "Musick To Play In The Dark". Estes dois álbuns de música para tocar no escuro, bem como um conjunto de quatro singles congeminados sob os auspícios dos equinócios e solstícios, traduzem duas mudanças complementares e paralelas. No plano físico, a relocalização de Balance e Christopherson para uma localidade isolada e remota na costa marítima das ilhas britânicas e, no plano estético, a metamorfose de entidade musical de inspiração solar para outra de carácter lunar. A imersão neste novo corpo astral, o satélite natural da Terra responsável pelas marés que os Coil tanto admiravam, reflectiu-se numa música menos fracturada, mais melódica e hipnótica, com menos ênfase no ritmo e maior enfoque na improvisação.
Ao longo da sua existência, a "magickal music" dos Coil foi-se alimentando dos contributos de uma míriade de artistas, como Danny Hyde, Drew e Rose McDowal, William Breeze, Thighpaulsandra, Ossian Brown, Jim Thirwell, Stephen Thrower ou Ian Johnstone para nomear apenas alguns nomes de uma infindável lista. O último aqui elencado foi igualmente o último companheiro de John Balance e autor de várias capas para o grupo, das quais se destaca uma notável criação para o disco "The Ape Of Naples", último álbum de originais editado postumamente após a morte prematura de John Balance a 13 de Novembro de 2004, que ditou igualmente um ponto final aos Coil.
A banda sonora foi:
Coil - "Windowpane" (Love's Secret Domain)
Coil - "The Mothership And The Fatherland" (Astral Disaster)
Zos Kia - "On Balance" (Transparent)
Coil - "First Dark Ride" (Nasa Arab)
Coil vs. ELph - "Protection" (Born Again Pagans)
Time Machines - "7-Methoxy-β-Carboline: (Telepathine)" (Time Machines)
Coil - "Tiny Golden Books" (Musick To Play In The Dark Vol. 2)
Coil - "Something - Higher Beings Command" (Coil Live Two)
Coil - "Going Up" (The Ape Of Naples)
Para ouvir o programa em formato podcast basta carregar com o botão esquerdo do rato aqui.
Errata ao discurso do locutor: a faixa "Something - Higher Beings Command" não foi gravada em 1991 mas antes em 2001, e a data da morte de Jhonn Balance não foi dia 15 de Novembro, mas antes, como podemos ler no texto, dia 13 de Novembro.
Hiperligações:
Thresholdhouse, site oficial
Solar Lodge, informação disponível através do site Brainwashed
Axis, referências aos primórdios
The Nachtkabarett, o simbolismo na obra dos Coil