Suomisaundi


Toca o telefone com um eco intestinal e Tinky Winky enfia a sua mão lilás no ecrã abdominal catódico para puxar o auscultador e atender a chamada. Ao reconhecer o interlocutor, reage com uma feliz e divertida gargalhada, pois era a sua prima Françoise que lhe anunciava uma festa que preparava na floresta e queria que todos se juntassem a ela na sua terra, Suomiland, para nela participar. Todos ficaram muito felizes e concordaram em ir, excepto Noo-Noo que se irritou com a situação, esticou a sua tromba de poliestireno e sugou os brinquedos dos outros Tubbies, pois por nenhuma razão queria abandonar o Tubbytronic Superdome. O sol-bebé anuiu com a sua gargalhada satisfeita e os quatro amigos multicolores partiram para a terra de Texas Faggott. Lá, beberam o típico “Spuge” de Helsínquia, um absinto esverdeado próximo da urina de fada e passado pouco tempo sentiram os seus bum-buns a abanarem ao ritmo esquizóide dos arpégios do TB-303, atravessados pelas disfunções calculadas dos VST de Pelinpala. Luzes, átomos e moléculas confundiam os seus tubos infra-abdominais forçando-os a libertar puns electrónicos de diversas cores e estilos: elfos com o sotaque de Bugs Bunny e trolls, iluminados por medusas cor-de-rosa produzidas pelo orvalho do lago, trançando elegantemente com as suas antenas multiformes.



Esta poderia muito bem ser a cosmogonia, o mito das origens, do subgénero do trance psicadélico oriundo da Finlândia a que alguns chamam Suomisaundi, outros Suomistyge e ainda Spugedelic Trance. Este som Suomi nasceu na segunda metade dos anos 90, aparentemente, de uma repulsa vigorosa do “tuubi” trance, ou seja, de tudo aquilo que não era suomisoundi. Nessa medida, distingue-se precisamente do trance psicadélico mais mainstream, não respeitando as suas convenções mais apertadas, chegando a desafiar mesmo, por vezes, a omnipresença das batidas quatro por quatro. As suas melodias são simples e jocosas, lembrando de certa forma o Happycore, mas distinguindo-se sobretudo pelo uso e abuso de efeitos e samplagens excêntricas que agudizam ao extremo a semântica e a pragmática do psicadélico dentro do Psy-Trance. Obviamente, a linguagem deste subgénero é tipificada pelo humor idiomático dos finlandeses e pela sua desconcertante auto-ironia, que reveste estas músicas de um carácter muito próprio. Mas, não obstante a sua origem nacional, em meados desta primeira década do século XXI, o estilo internacionalizou-se, sendo muito popular na Austrália, Nova-Zelândia e Japão – e, por isso, quase se poderia dizer que a sua excentricidade não é apenas estilística mas também geográfica, tendo a sua força centrífuga afastado este tipo de trance da hegemonia da Europa ocidental.



Neste Pulsar Ciclotímico do Amola-Tesouras, escutou-se um dos projectos fundadores do estilo, Pelinpala, um dos muitos de Tommi Sirkiä, conhecido ainda como Justin Space, importante produtor da música electrónica finlandesa e um dos responsáveis pela internacionalização do estilo nas suas constantes viagens pelo planeta. Filho de um cantor de ópera célebre na Finlândia e com formação musical erudita e ligada ao jazz, ter-se-á habituado a uma cultura sonora ecléctica que muito evidentemente exprime nas suas composições, como na faixa “Jazz Caballero” que também se escutou e que, tal como “Lights, Atoms and Molecules” que escutámos, pertence ao álbum de 2000, “My CD has landed on the next door neighbour’s dog”. Outro dos projectos mais extravagantes deste Suomisaundi é Texas Faggott, inicialmente protagonizado por Françoise Faggott, Tim Thick e Halluciano Powerotti, até que o primeiro (sim, Françoise é um moço) saiu para formar os Squaremeat. “Don’t gowithem, growithem n’glowithem, they’ll let you knowithem” é o tema de Texas Faggott incluído na compilação editada em 2000 pela Surreal Audio, “Beats and Beyond” que se escutou ainda depois de “Jazz Caballero”. Diga-se ainda que estes Texas Faggott, reduzidos a dois membros, continuam a ter bastante sucesso e ainda em 2008 editaram o seu álbum Kininigin, de onde se destacou a faixa “Asagao”, com a colaboração de Kakushin Nishihara, um famoso intérprete do tradicional instrumento japonês, a Biwa.

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