Kosmische Musik I


As palavras de Erik Davis na introdução do seu ensaio "Kosmische", no recente
Krautrock: Cosmic Rock and its Legacy (Black Dog Publishing), e aqui deixadas, deram o mote para dois programas dedicados à Kosmische Musik, capítulo crucial da música progressiva psicadélica germânica da primeira metade da década de 70.

Neste primeiro programa ouviu-se:

Tangerine Dream - Cold Smoke (Electronic Meditation)
Klaus Schulze - Conphära (Cyborg)
Cosmic Jokers - Kinder des Alls III (Cosmic Jokers)
Walter Wegmüller - Die Herrscherin (Tarot)
Sergius Golowin - Die Hoch Zeit ( Lord Krishna von Goloka)
Cozmic Corridors - The Summit (st)
Popol Vuh - Vuh (In Der Gärten Pharaos)
O Pulsar Ciclotímico do Amola-Tesouras
(Crónica de Nuno Fonseca sobre "Mandalas", dos Limbus 4)

Limbus 4 – “Mandalas” (1970)

Mandala é a palavra sânscrita que significa círculo e, por extensão semântica, esfera, envolvência, comunidade. Mas, no contexto religioso, refere-se a uma representação geométrica que exprime a relação do homem com o cosmos ou de uma divindade com o que a envolve. O processo de construção de uma mandala é uma forma de meditação constante que acompanha movimentos meticulosos e muito lentos, numa experiência ao mesmo tempo religiosa e criativa. Feitas normalmente com areia ou giz, as mandalas apresentam-se muito coloridas e são, por fim, ritualmente destruídas. Foi todo este conceito que inspirou o projecto alemão, Limbus 4, na elaboração do álbum “Mandalas”, editado em 1970, pela lendária Ohr Records. A inspiração etno-religiosa é aliás notória no nome das faixas e traduz-se ainda etnomusicalmente na escolha dos instrumentos usados: para além dos instrumentos ocidentais – violoncelo, baixo, órgão e viola – as flautas transversais, as tablas, e os bem mais exóticos totalophone, tsikadraha, kazoo ou o valiha faray. Sendo, no entanto, uma interpretação alemã da música cósmica, nos anos 70, não é de admirar que aquelas sonoridades apareçam filtradas pelo uso de alguma electrónica e pelo experimentalismo vanguardista da época.
O projecto Limbus havia começado em 1968, na cidade de Heidelberg, procurando fundir, de um modo singular, o jazz, o folk e o espírito de experimentação musical. Um primeiro disco havia sido editado, enquanto eram um trio acústico, os Limbus 3, que também figuram nesta Lista, com o nome New-Atlantis, em 1969. No ano seguinte, passam para Limbus 4, por se terem tornado para este álbum - “Mandalas”-, num quarteto, constituído por Odysseus Artner, Bernd Henninger, Matthias Knieper (o elemento adicional do grupo) e Gerd Kraus. Músicos dos quais muito pouco se sabe, excepto do último que nos anos mais recentes terá pertencido a um bizarro projecto de nome www.knagg.nett e aos Metalimbus. O próprio nome Limbus refere-se a um grupo étnico do Nepal, o que reforça o carácter orientalizante deste projecto. Não sabemos, porém, se foi apenas o fascínio da filosofia e religião orientais que determinaram esta atracção cósmica e musical dos Limbus ou se o factor enteogénico teve a sua parte de responsabilidade.
O disco é assimetricamente dividido em três faixas no lado A e apenas uma longa faixa no lado B. “Dhyana” é outra palavra de origem sânscrita que designa um estado de meditação nas tradições Hindú e Budista, equivalente ao Zen japonês, por exemplo. É este estado que visa o auto-conhecimento que determina o transe musical desta primeira faixa do disco, onde a entoação do famoso ohm parece a princípio dobrar o órgão monódico e é depois progressivamente engolido pelo caos improvisado dos instrumentos de cordas, da percussão e dos sopros. “Kundalini” é a energia cósmica que jaz adormecida ou “enrolada como uma cobra” no Muladhará Chakra, um centro de força localizado junto do sacro e dos órgãos genitais. Ela precisa de ser despertada e conduzida pela meditação, ao longo da coluna vertebral e dos vários chakras, como parece ser traduzido musicalmente nesta segunda faixa do disco. A terceira faixa parece ser um curto “haiku” construído a partir da experiência de improvisação que estes músicos aprenderam no free-jazz. Finalmente, e ocupando todo o lado B, “Plasma” é um longo exercício de exploração das virtualidades de comunicação entre as sonoridades orientais e as experiências da música contemporânea, transferindo assim a retrogradabilidade rítmica e a microtonalidade típicas da música indiana para o contexto ocidental. Fiquemos com “Haiku” e depois “Plasma”. Em fundo, ouvia-se “Dhyana”.

Ouvir.

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