Em meados dos anos 60, na baía de São Francisco, o espírito do tempo era o da vida em comunidade, experimentação e criação colectiva. Interessava menos o talento de cada um do que a expressão em conjunto das idiossincrasias, na esperança de fazer despontar os “amanhãs que cantam”. Com um clima ameno que fazia crescer o flower power e promovia o encontro quotidiano de artistas, poetas e músicos em festivais, cafés concerto, happenings de rua, não é de estranhar que inúmeros grupos musicais polvilhassem a terra fértil da Califórnia, com certas características regionais, que permitiu mais tarde falar de um “Som de São Francisco”. Grateful Dead, Jefferson Airplane, the Great Society, Quicksilver Messenger Service ou Blue Cheer foram algumas das mais famosas bandas que reflectiram um cruzamento de influências poéticas da Beat Generation da “Renascença de São Francisco” na década anterior, dos sons da América profunda com o revivalismo do folclore tradicional, o Blues, o BlueGrass, mas também do jazz e do rock que no contexto da experimentação química e da expansão da mente se tornavam psicadélicos. Mas sem esquecer que o estuário do rio Sacramento configura uma das áreas mais vanguardistas do ensino universitário americano, não espanta que todas essas referências populares se misturassem também com referências musicais mais eruditas, como John Cage, Terry Riley – já aqui abordado nestas crónicas – ou mesmo Edgar Varèse. E foi alegadamente a escuta do “Poème Electronique” numa digressão americana de Varèse, em 1962, que despertou o interesse do adolescente e impressionável Louis “Cork” Marcheschi para a exploração das virtudes musicais da música de síntese.
Por volta de 1966, Marcheschi que tocava numa banda de Rhythm’n’Blues – The Ethix – que actuava em clubes da Califórnia e do Nevada, conseguiu editar um single muito apropriadamente denominado “Bad Trip”. Inusitadamente experimental e ruidoso, podia ser tocado a 33 ou a 45 rotações, sem perder a melodia ou o ritmo, já que, pura e simplesmente não estavam ali presentes. Mas o mais interessante é que só foi possível criar essa faixa com a ajuda de um instrumento electrónico criado e modificado pelo criativo músico - que mais tarde e sem espanto se tornaria num nome relevante da escultura cinética e instalação em espaços públicos – combinando theremins, caixas de distorção, um tubo de cartolina e um altifalante recuperado de um bombardeiro da IIª Guerra Mundial! Este mesmo instrumento seria a marca distintiva do grupo seguinte formado pelo futuro escultor, pelo guitarrista Dave Blossom e pela sua esposa Nancy, pelo baterista Kim Kinsey e pelo sempre intoxicado Larry Evans: estou a falar de Fifty Foot Hose. Menos famosa do que qualquer das bandas anteriormente referida, foi talvez das primeiras a cruzar consistentemente a electrónica no rock psicadélico, tornando-se um antecedente significativo das experiências de Pere Ubu, Chrome ou Throbbing Gristle.
Apenas um álbum, editado em 1969, mas gravado entre 1967 e 1968, ao mesmo tempo que acompanhavam em concerto bandas como os Blue Cheer, Chuck Berry ou os Fairport Convention, deixou como testemunho daquela época criativa e aberta à experimentação – não obstante o facto de o disco editado pela Limelight não ter tido sucesso comercial e isso ter ditado também o fim do projecto – um disco, “Cauldron”, heterogéneo mas paradoxalmente consistente. Foi sobretudo por razões financeiras e de sobrevivência que quase todos os membros da banda migraram para a produção californiana do musical “Hair”, tornando-se Nancy Blossom na sua voz principal, enquanto Cork Marcheschi regressou à escola de Belas-Artes para construir uma carreira sólida na escultura e instalação com néons e som ambiental, pondo assim fim aos Fifty Foot Hose… pelo menos durante os 30 anos seguintes, já que em 1996 Marcheschi e David Blossom reúnem-se mais uma vez para os fazer renascer, com alguns concertos ao vivo e com novos músicos, gravando no ano seguinte um novo álbum “Sing Like Scaffold”. Alguns membros dessa nova formação fundam nos inícios do século XXI uma banda cheia de humor dadaísta e espírito de experimentação patafísica, os Kwisp, lançando em 2004 “Teriyaki Vest Odissey”, ainda com a colaboração de Marcheschi. Ouviremos, no entanto, apenas faixas do disco seminal, “Cauldron”. “Fantasy” acompanhou-nos em fundo. Já de seguida, escutaremos a faixa homónima “Cauldron” e depois “Red the Sign Post” [faixa 6], onde a voz de Nancy ressoa o estilo de Grace Slick.
Site oficial do artista Louis "Cork" Marcheschi: http://www.corkmarcheschi.com/
Por volta de 1966, Marcheschi que tocava numa banda de Rhythm’n’Blues – The Ethix – que actuava em clubes da Califórnia e do Nevada, conseguiu editar um single muito apropriadamente denominado “Bad Trip”. Inusitadamente experimental e ruidoso, podia ser tocado a 33 ou a 45 rotações, sem perder a melodia ou o ritmo, já que, pura e simplesmente não estavam ali presentes. Mas o mais interessante é que só foi possível criar essa faixa com a ajuda de um instrumento electrónico criado e modificado pelo criativo músico - que mais tarde e sem espanto se tornaria num nome relevante da escultura cinética e instalação em espaços públicos – combinando theremins, caixas de distorção, um tubo de cartolina e um altifalante recuperado de um bombardeiro da IIª Guerra Mundial! Este mesmo instrumento seria a marca distintiva do grupo seguinte formado pelo futuro escultor, pelo guitarrista Dave Blossom e pela sua esposa Nancy, pelo baterista Kim Kinsey e pelo sempre intoxicado Larry Evans: estou a falar de Fifty Foot Hose. Menos famosa do que qualquer das bandas anteriormente referida, foi talvez das primeiras a cruzar consistentemente a electrónica no rock psicadélico, tornando-se um antecedente significativo das experiências de Pere Ubu, Chrome ou Throbbing Gristle.
Apenas um álbum, editado em 1969, mas gravado entre 1967 e 1968, ao mesmo tempo que acompanhavam em concerto bandas como os Blue Cheer, Chuck Berry ou os Fairport Convention, deixou como testemunho daquela época criativa e aberta à experimentação – não obstante o facto de o disco editado pela Limelight não ter tido sucesso comercial e isso ter ditado também o fim do projecto – um disco, “Cauldron”, heterogéneo mas paradoxalmente consistente. Foi sobretudo por razões financeiras e de sobrevivência que quase todos os membros da banda migraram para a produção californiana do musical “Hair”, tornando-se Nancy Blossom na sua voz principal, enquanto Cork Marcheschi regressou à escola de Belas-Artes para construir uma carreira sólida na escultura e instalação com néons e som ambiental, pondo assim fim aos Fifty Foot Hose… pelo menos durante os 30 anos seguintes, já que em 1996 Marcheschi e David Blossom reúnem-se mais uma vez para os fazer renascer, com alguns concertos ao vivo e com novos músicos, gravando no ano seguinte um novo álbum “Sing Like Scaffold”. Alguns membros dessa nova formação fundam nos inícios do século XXI uma banda cheia de humor dadaísta e espírito de experimentação patafísica, os Kwisp, lançando em 2004 “Teriyaki Vest Odissey”, ainda com a colaboração de Marcheschi. Ouviremos, no entanto, apenas faixas do disco seminal, “Cauldron”. “Fantasy” acompanhou-nos em fundo. Já de seguida, escutaremos a faixa homónima “Cauldron” e depois “Red the Sign Post” [faixa 6], onde a voz de Nancy ressoa o estilo de Grace Slick.
Site oficial do artista Louis "Cork" Marcheschi: http://www.corkmarcheschi.com/
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