Barbarella

E Deus… criou a mulher! Ou melhor, Vadim criou BB, Brigitte Bardot, Barbarella, aliás, Jane Fonda. Vamos por partes: em 1956, Roger Vadim, casado com Brigitte Bardot, realiza o filme “Et Dieu…créa la femme”, impulsionando a carreira e o fenómeno mediático, mítico, de BB, o sex-symbol da década seguinte, ao mesmo tempo arquétipo de feminilidade e símbolo da emancipação da mulher nos anos 60. Revolução dos costumes, revolução iconográfica. Em 1962, Jean-Claude Forest inspira-se nas curvas pecaminosas e nos lábios carnudos de BB para criar a heroína de banda-desenhada, Barbarella. Tal como o modelo, a heroína das aventuras espaciais no século XL (40) incarna a emancipação sexual, moral e política da mulher, numa França gaulista, ainda pouco preparada para esses atrevimentos que haveriam de culminar no famoso Maio de 68. A banda-desenhada escandaliza e chega mesmo a ser considerada para adultos, talvez mais devido ao seu conteúdo “revolucionário” do que à carga erótica que, de facto, também tinha. Apesar da censura, ou talvez por causa dela, esta banda desenhada torna-se num pequeno fenómeno de culto entre a juventude europeia ilustrada que cresceu à luz dessa “nova vaga” que invadia os ecrãs e os cérebros. No mesmo ano da revolução cultural dos estudantes, estreou o filme que levava ao ecrã a personagem criada por Forest, Barbarella. Para desempenhar o papel, nada mais nada menos que Jane Fonda, então a terceira esposa de Roger Vadim, o qual realiza o filme em 1968, explorando o universo de bolhas da banda-desenhada e a atmosfera psicotrópica que se respirava na época.



A cena de abertura do filme é o memorável strip-tease na cápsula sem gravidade de Jane Fonda. Num cenário composto pela “Grande Jatte” pointilhista de Georges Seurat, por uma escultura de estilo romano e pelas paredes felpudas da sua nave espacial, Barbarella parece flutuar para fora do seu fato espacial prateado, ao ritmo da canção de Bob Crewe, a meio caminho entre o easy-listening e o psych-exploitation, como aliás o resto da banda sonora que escutámos em fundo. Não obstante a descontracção extática de Barbarella, oriunda de uma utopia de paz e amor, mas onde este não se pratica, antes se experimenta pela ingestão de pílulas criadas para o efeito, ela é enviada em missão pelo presidente da Terra, em busca do cientista Duran-Duran que criara uma destruidora arma, chamada Positron. Depois de chocar contra o planeta Lithium, nos arredores do qual se perderam as pistas do cientista procurado, Barbarella é atacada por bonecas assassinas, conduzidas pelas sobrinhas da rainha do mal, a Rainha negra de Sogo. Salva por um caçador anacoreta que consegue convencer a heroína a praticar sexo da forma arcaica, começa uma série de pequenas revelações e aventuras que a farão conhecer Pygar, o anjo cego que reaprende a voar depois de ter feito amor – à moda antiga - com Barbarella, e voar nos seus braços até à cidade de Sogo, a qual estava rodeada pelo Matmos, a essência líquida do mal. Descobre então que Duran-Duran é o porteiro da cidade das perversões e das sevícias, uma espécie de Sodoma governada pela lésbica rainha negra. Conhece ainda Dildano, um idealista e sonhador revolucionário que a salva de terríveis tormentas e que pretende recompensar com sexo tradicional, mas sem sucesso. Prova ainda a “Essência do Homem”, elixir psicotrópico feito a partir da energia dos escravos masculinos da rainha lésbica, mas é finalmente submetida à infernal máquina Orgasmatron que musicalmente a obriga a ter orgasmos forçados, porém Barbarella é uma mulher moderna e preparada para os mais altos níveis de gratificação sexual, sobrevivendo à terrível tortura. Num volte-face inesperado, Barbarella alia-se ainda com a rainha de Sogo para a defender de Duran-Duran, que entretanto resolve rebelar-se contra ela e tomar o poder total pela força hipnótica da câmara dos sonhos. As bolhas e as cores geradas pelo ambiente psicadélico baralharam com certeza o “stream of consciousness” do argumentista e é uma bolha criada pelo próprio Matmos que acaba por salvar a inocente Barbarella e a lésbica companheira real, que finalmente embarcam com Pygar na nave espacial da heroína, deixando em aberto um virtual “ménage à trois” durante a viagem de regresso à Terra.



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