

A sonoridade de Heldon poderá ser entendida como a sublimação da energia exuberante do rock pela lógica calculada dos sintetizadores, e uma estética informada, quer pela filosofia de Nietzsche e Gilles Deleuze, quer pela literaura de ficção científica e ciberpunk de Philip K. Dick, Normand Spinrad ou Maurice Dantec. Foi com este último que Pinhas, em 1999, delineou o projecto Schizotrope, um tributo musical e spoken-word ao mentor Deleuze, que havia falecido quatro anos antes. A voz de Deleuze é mesmo utilizada em "Le Voyageur", um tema integrado num dos dois 7´´ lançados em 1972 enquanto Schizo, um grupo embrionário do que dois anos volvidos seria Heldon. Nesses anos,
Pinhas dedicou-se ao estudo e docência da filosofia na Sorbonne, tendo a sua tese de doutoramento - A relação entre a esquizoanálise e a ficção científica - deixado antever futuras incursões pelos destroços de um apocalipse tecnológico.

No primeiro LP de Heldon, "Electronique Guérilla" - lançado em 1974 pela Disjuncta (Deleuze faz-se ouvir em "Quais marchais, mieux qu'en 1968", novo nome para o tema referido em cima) -, a exploração da ligação homem-máquina (sintetizador-guitarra) é indissolúvel da profecia nietzschiana que aponta para que a música do futuro reconcilie a antinomia mecânica e lírica da existência humana, como evocado nas paisagens narcóticas do álbum. No mesmo ano surge "Allez Téia", considerado como o registo mais atípico
do grupo. Nele, Pinhas absorve o ambient e as repetições dos experimentos de Fripp e Eno, com incursões melodiosas e pastorais que, no contexto da discografia de Heldon, se assemelham a um estado de suspensão cerebral. O conceito híbrido da integrar a máquina no corpo é retomado em "It's allways rock n' roll" (1975), uma celebração da violência ciberactiva ou uma pré-cognição do que viria a ser alguma da música industrial que despontaria daí em diante.

"Agneta Nilsson", o quarto álbum do grupo, é a consciência computorizada do apocalipse, a concretização sónica do enamoramento de Pinhas pela submersão esquizofrenizante das distópicas novelas de P.K. Dick - ou a evocação do processo psíquico da desintegração do self. Também o niilismo filosófico e a anarquia social e política podem ser encontrados nas cinco perspectives do disco, com um dos temas a ser dedicado à organização germânica radical de extrema-esquerda
Bahder-Meinhoff. "Agneta Nilsson" terá funcionado como uma fronteira na sonoridade de Heldon, já que nos três álbuns seguintes se vislumbra uma abordagem mais estruturada e controlada. "Un rêve sans conséquences spéciale" (1976) foi gravado pelo power-trio composto pela guitarra de Pinhas, a bateria de François Auger e o sintetizador de Patrick Gauthier, e é um disco intenso como uma tempestada diluviana que se abate sob um Éden cibernético.

O assalto ao sistema nervoso central prossegue nos discos seguintes, o denso "Interface" (1978), gravado já depois de incursões solistas de Pinhas, e o literal "Stand-By" (1979). No dealbar do século XXI Pinhas volta a gravar sob a égide de Heldon: "Only chaos is real", filosoficamente coerente e por isso mesmo musicalmente doente.
A discografia de Heldon foi alvo de reedições pela francesa Spalax a pela Cuneiform, nos EUA. A editora catalã Wha Wha Records reeditou recentemente os dois primeiros LP's do grupo com 7´´ que contêm os trabalhos dos Schizo.
Ouviu-se:
Schizo - Le Voyageur
Heldon- Zind (Electronique Guérilla)
Heldon - Back to Heldon (Electronique Guerilla)
Heldon - In the Wake of King Fripp (It's Allways Rock n' Roll)
Heldon - Côtes de Cachalots à la Psylocibine (It´s Allways Rock n' Roll)
Heldon - Perspective V (Agneta Nilsson)