Les états hypnotiques de Jean-Michel Jarre (1969-1974)

Não penseis em nada … sentis-vos bem … nada mais existe à vossa volta … a não ser a música que escutais e a minha voz. Sois apenas dois … e a música arrasta-vos um para o outro, magnetizados irresistivelmente pelos sons, fascinados, hipnotizados; a vontade desaparece, os corpos abraçam-se e começam a dançar, num mar de desejos, encantados… e dançais… São mais ou menos estas as palavras proferidas pela voz de Dominique Webb, ilusionista e hipnotizador, no tema “Hypnôse”, composto por Jean-Michel Jarre para um espectáculo de magia, no Olympia, em 1973. A composição minimal, os sons rudes do Moog e o ritmo encantatório parecem primitivos, como que traços atávicos numa câmara analógica e ainda longíquos, em relação aos futuros sintetizadores digitais e aos sofisticados arpeggios do compositor de Oxygène. Com efeito, antes de começar a sua internacionalização e os seus mega-sucessos, Jarre tinha já um percurso musical rico e variado.


Nascido em Lyon, em França, filho biológico do compositor Maurice Jarre – célebre pelas inúmeras bandas-sonoras que criou em Hollywood, como “Lawrence da Arábia”, “Doctor Zhivago” ou “Dead Poets Society” – e neto de André Jarre que, para além de músico, inventou a primeira mesa de mistura da Radio Lyon, desde cedo recebeu uma educação musical clássica, fomentada pela mãe e pelos avós, que lhe proporcionaram ainda uma convivência com um mundo culto povoado de músicos e artistas. Como muitos jovens dos anos 60, Jarre foi guitarrista numa banda de rock – The Dustbins – a qual chegou a aparecer no filme de 1967, “Des garçons et des filles”. Interessado pela experimentação e pelas transformações musicais que as novas tecnologias permitiam, juntou-se em 1968 ao Groupe de Recherches Musicales, sob a direcção de Pierre Schaeffer, um dos inventores da música concreta e o pensador da arte dos “objectos sonoros”. Foi nessa altura que Jarre começou a trabalhar com um sintetizador modular Moog, ao qual adicionou um gravador Revox e outros sintetizadores analógicos SEM, confeccionando no estúdio improvisado na sua cozinha as suas primeiras produções originais. Em 1969, cria o seu primeiro single “La Cage”, mas devido ao seu carácter experimental e vanguardista, só em 1971, a Pathé Marconi arriscou o seu lançamento comercial, que, na verdade, se veio a revelar um fracasso, com apenas 117 cópias vendidas. O single foi interpretado ao vivo pelo próprio Jarre, por ocasião da reabertura da Ópera Garnier em Paris, em 1971, e integrado na opera-ballet electro-acústica AOR, coreografada por Norbert Schmucki. Jarre haveria de produzir várias peças para ballet, teatro, televisão, publicidade até começar a trabalhar com artistas comerciais como Patrick Juvet e Françoise Hardy e uma banda sonora para o filme Les Granges Brûlées, com Alain Delon e Simone Signoret, que recupera de certa forma o trabalho do seu primeiro álbum “Deserted Palace”. Em 1976, lança o álbum que lhe haveria de dar fama mundial Oxygène e a partir daí a história é outra…

Em fundo escutámos logo no início da crónica o lado B, instrumental, do disco editado em 1972 pela Disques Motors, “Hypnôse” e de seguida começámos a ouvir “Poltergeist Party”, o primeiro tema do primeiro álbum de 1972. Ficámos depois com o já referido primeiro single “La Cage”, uma peça marcada pelo período GRM e pela música concreta, mas também respirando os ares psicadélicos do tempo. Houve ainda tempo para o lado B desse single, “Erosmachine” que evoca logo no início o mistério acústico dos objectos sonoros, os quais se deixam envolver pelo erotismo dos sopros e suspiros (afinal, quão longe estaria Jarre de umas “Variations pour une Porte et Un Soupir”?). Finalizámos com outra raridade de Jean-Michel Jarre, que sob o nome de 1906 edita em 1974 um single “Cartolina”, do qual escutaremos o lado B, “Helza”, um relaxado tema de Jazz de fusão mas que aspira às derivas cósmicas do país da sauer kraut. Enjoy!

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