A música visual dos irmãos Whitney

John & James Whitney – “Yantra” (1957), “Lapis” (1966) e “Permutations” (1966)

Uma luz branca e pura enche a tela uniformemente; para o seu centro, um número incontável de pequenas partículas começa a surgir, formando um anel progressivamente mais espesso que cerceia a luz num espaço circular cada vez mais apertado, mas mais intensamente luminescente, como um sol rodeado da sua coroa. O ecrã vê-se, então, subtilmente transformado numa mandala, num denso círculo cósmico constituído por inúmeras circunferências concêntricas em constante movimento e tecidas por formas geométricas complexas e em eterna transformação. As partículas escuras acabam por ganhar uma luminosidade própria que substitui definitivamente a tela branca transmudando a sua superfície numa espiral infinita de padrões floriformes, cristalinos e geométricos multicolores. A ondulante transformação dos padrões dá-se a um ritmo hipnótico, mas harmónico, criando no espectador uma combinação de impulsos cromáticos e intensidades radiantes que geram impressões sinestésicas, como se se tratasse de música visual.



[James Whitney, "Lapis" (1966)]

Aparentemente, era disso mesmo que se tratava nestes bailados luminosos de figuras geométricas que constituiram os filmes de James e John Whitney, dois irmãos que se dedicaram desde os anos 40 ao cinema experimental, ou “visionary film” - para usar a expressão de Adams Sitney -, tendo por base uma formação artística e musical sólida, ligada, nomeadamente, à vanguarda serialista schöenbergiana. Apesar de terem trabalhado conjuntamente em alguns filmes, James denunciava a sua vocação de pintor ou artista visual no modo mais artesanal com que elaborava os seus próprios filmes, designadamente “Yantra” de 1957, no qual trabalhou durante quase dez anos até estar em condições de ser projectado. No filme seguinte, “Lapis” (1966) do qual acabei de fazer uma breve descrição, James demorou apenas três anos graças ao computador analógico desenvolvido pelo irmão que lhe permitiu acelerar o processo de captação de imagens por uma máquina de discos rotativos, cujos movimentos eram controlados pelo referido computador. No entanto, as chapas tinham ainda sido pintadas manualmente. Tanto “Yantra” como “Lapis” foram inspirados pelos interesses de James Whitney na meditação yoga e nas sabedorias orientais, pelo que, tanto um como outro, são autênticos mandalas dinâmicos construídos, tal como os filmes de Jordan Belson, com um propósito meditativo e de libertação da mente. Não é pois de estranhar que, mais tarde, se tenha adicionado uma raga indiana de Ravi Shankar, como banda sonora para um filme que era originalmente mudo. O mesmo tipo de banda sonora foi acrescentado a “Permutations” (1966), o filme de John Whitney, constituído por séries de pontos organizados em padrões diversos que interagem entre si como um novo tipo de alfabeto formal, de modo a criar uma nova linguagem poligráfica que ressoa os fenómenos polifónicos e de contraponto da música. É este aspecto sinestésico que o aproxima esteticamente dos filmes do irmão mais novo. Porém, este filme de John Whitney pertence já a uma nova geração, na medida em que as imagens são agora inteiramente de origem informática, com a ajuda do seu computador e de um monitor monocromático da IBM - empresa para a qual ele começara a trabalhar -, sendo as cores posteriormente editadas com a ajuda de uma impressora óptica.



[John Whitney, "Permutations" (1966)]

Não se sabe se os filmes dos irmãos Whitney foram inspirados por alguma experiência psicadélica induzida por alucinogénios, no entanto, não é difícil ligá-los à cultura californiana onde tais experiências se multiplicavam. O conteúdo orientalizante das criações de James Whitney e a importância que atribuía ao efeito meditativo e de expansão da consciência é comum a todo um ambiente que se vivia em São Francisco, onde os seus filmes haviam sido projectados, durante os Vortex Concerts, ao lado de obras de Harry Smith e de Jordan Belson. Este último cineasta experimental, que colaborou de perto com James Whitney, confessou ter experimentado LSD e mescalina, e os efeitos dessas experiências encontrariam expressão em alguns dos seus filmes. Já será mais difícil ligar o trabalho do pioneiro da animação computorizada, John Whitney Sr, com a cultura psicadélica, no entanto, os seus filhos, uma 2ª geração de criativos cineastas experimentais que herdaram o nome Whitney, estiveram ligados à preparação de palcos de concertos, nomeadamente, dos Grateful Dead e do lendário Festival de Monterey, onde foram responsáveis pela projecção de animações computorizadas em vários ecrãs, simultaneamente, cujo conteúdo visual e sinestésico era muito próximo dos círculos centrípetos e centrífugos do pai e das revoluções de mandalas cósmicos do tio.





[James Whitney, "Yantra" (1957)]

Para mais informações sobre os filmes visionários dos irmãos Whitney, pode consultar-se o livro de Gene Youngblood, disponível online: Expanded Cinema (1970); e a apresentação de William Moritz sobre James Whitney.

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