Numa primeira fase, mergulha-se. Como quem cai numa profunda toca de coelho ou como quem se deixa adormecer. A consciência distende-se e o corpo relaxa. A lógica inverte-se: o profundo vem à superfície e o sono transforma-se em vigília. Do vazio nasce uma pletórica profusão de alucinações. E entra-se na segunda fase, onde a consciência se expande e o corpo perde os seus limites. Por um paradoxo do tempo nessa consciência alargada, faz-se coincidir o passado e o futuro num presente intenso e eterno. Ao mesmo tempo que o longíquo se torna próximo e o exterior se reproduz e multiplica no interior. Cornucópias de sons e de cores dançam num bailado sinestésico que cria formas ainda sem nome e movimentos que procuram os seus verbos. Finalmente, o ego renasce desta ablução espiritual, para voltar ao contacto com a realidade do quotidiano.
Esta divisão trifásica é a análise esquemática mais elementar e simplificada de uma experiência psicadélica, como a descreve Timothy Leary, o famoso guru e promotor das virtudes do L.S.D., juntamente com os seus colegas do Harvard Psilocybin Project, Ralph Metzner e Richard Alpert, no disco de 1966 – “The Psychedelic Experience”, do qual ouviremos daqui a pouco um excerto. No entanto, os próprios autores desse manual, baseado no Livro dos Mortos Tibetano, advertiam para o facto de o L.S.D., a mescalina ou a psilocibina serem somente chaves químicas que potenciam, pelos efeitos neurológicos que produzem, uma experiência de expansão da consciência que tem uma natureza essencialmente psicológica, ou, para seguir o termo já inventado pelo psiquiatra britânico, Humphrey Osmond, psicadélica, isto é, uma experiência em que o espírito se manifesta, se torna claro e evidente. Outras práticas, oriundas de tempos imemoriais e espalhadas pelos vários continentes, proporcionaram experiências semelhantes, desde as rigorosas asceses dos monges orientais, aos transes dos rituais xamanistas dos ameríndios, passando pelos êxtases e delírios dos místicos e das religiosas ocidentais. Tais experiências exerceram um fascínio tal sobre pensadores, escritores, cineastas, músicos e pintores que os levou a procurarem modos de experimentar essas viagens da consciência, fosse participando nos rituais, nas meditações e asceses ou ingerindo substâncias indutoras desses estados em que a percepção do mundo se altera. Delas resultou a transformação e promoção das suas criações artísticas.
Estas crónicas visitarão algumas curiosidades, alguns fragmentos arqueológicos, testemunhos e registos dessa cultura e contra-cultura psicadélica, que contribuiram para enriquecer e diversificar as formas de ver o mundo. Dessas experiências estéticas, gnoseológicas e mesmo religiosas que, desde os desertos da Califórnia ou do México às pequenas salas de estúdio de Paris ou laboratórios químicos na Suíça, mostraram novas perspectivas sobre a mente dos homens, ouviremos neste programa alguns documentos sonoros.
Para a primeira destas crónicas, escolheu-se o já referido disco, editado em Agosto de 1966, e gravado pelos três cientistas empenhados em promover os benefícios espirituais e terapêuticos da experiência psicadélica através do uso de L.S.D., mescalina ou psilocibina. O disco consiste basicamente numa leitura adaptada do respectivo livro “The Psychedelic Experience”, escrito dois anos antes, com o propósito de fornecer instruções para sessões experimentais que envolvessem drogas psicadélicas, visando uma viagem transcendental de auto-descoberta. Esse manual inspirava-se por sua vez no livro vulgarmente conhecido como Livro dos Mortos Tibetano mas que na verdade se chama “Bardo Thodol”, ou seja, “Libertação pela audição durante o estado intermédio” (i. e, aquele que medeia o momento da morte e o do renascimento, na tradição oriental da transmigração da alma). Adaptando os ensinamentos do ritual fúnebre tibetano que esse livro descreve, Timothy Leary e os seus colegas dividem a experiência psicadélica em três fases – Chikhai Bardo ou fase da transcendência completa, onde se dissolve a linguagem conceptual, a percepção do tempo e do espaço e o sentimento de si, ou seja, uma fase de abandono e despojamento que corresponde à morte do eu; Chonyid Bardo, a fase mais longa em que a consciência está num estado de alerta e de velocidade supremos, onde as visões delirantes são alucinações ou “aparições kármicas”; finalmente, Sidpa Bardo, é a fase do renascimento do ego, do regresso ao nosso mundo quotidiano. O disco está no entanto divido em duas partes, correspondentes aos lados do vinil: num primeiro, trata-se do “Going Out”, onde alternadamente Timothy Leary, Ralph Metzner e possivelmente Richard Alpert explicam a experiência, as suas fases e o que esperar delas; no lado B, é o “Coming Back” que desenvolve sobretudo os cuidados a ter com o regresso do eu à realidade de todos os dias.
O texto integral de "The Psychedelic Experience" pode ser lido
aqui.