O Surfar Ciclotímico do Olho do Cu

Considere-se o seguinte cenário: um denso nevoeiro espalhando-se do palco para o meio de uma multidão desorientada pelas insistentes luzes estroboscópicas; no fundo, por detrás dos artistas, alguns filmes projectados em estranhos ângulos e perspectivas, sobrepondo-se por vezes uns aos outros, sincopados, invertidos, imagens alotrópicas de acidentes viários, cirurgias de reconstituição de pénis, explosões nucleares, transformação de alimentos, insectos ou ainda excertos de episódios em negativo dos Anjos de Charlie, o suficiente para causar ataques epilépticos ou aneurismas aos mais sensíveis; junte-se-lhe uma melodia dissonante construída sobre o feedback de uma guitarra, acompanhada por duas baterias em uníssono, um baixo defeituoso, a voz alterada por um megafone ou por um rolo de papel higiénico, vinda de um gigante com uma cabeleira postiça e molas da roupa penduradas por todo o corpo, enquanto uma dançarina exótica se vai despindo até eventualmente se envolver fisicamente com o vocalista; se isso não bastar, imagine-se que centenas de fotocópias de escaravelhos são atiradas para o público ou que o vocalista de cada vez que cai no chão faz rebentar preservativos colados ao corpo, previamente cheios de sangue, e que os restantes membros da banda vão esfolando animais empalhados. Se isto aconteceu algures no Texas, em meados dos anos 80, então, muito provavelmente, era um concerto dos Butthole Surfers, a estranha banda dos arredores de Austin que herdou a tendência texana para as substâncias psicadélicas e o sentido de humor desconcertante de um ovo antropomórfico sempre à beira do desequilíbrio.



A bizarria é o terreno de eleição deste insólito agrupamento que tem como membros fundadores, dois promissores contabilistas que estudavam no Trinity College, em San Antonio, Texas. Gibby Haynes, o vocalista gigante e principal força da banda, para além de ter conseguido alguns títulos pela equipa de basquetebol da escola, foi galardoado como “Contabilista do Ano” no ano da sua graduação, é filho do Mr. Peppermint, uma personagem de um programa de televisão infantil dos anos 60, e conhecido por jogar ténis todo nu, coleccionar imagens de anomalias médicas, ter sido expulso da firma onde trabalhava e, por vezes, incendiar o palco. Não sendo dotado naturalmente para o canto, foi apetrechando as suas performances vocais com toda a espécie de artefactos que pudesse alterá-la, num processo de sofisticação que culminou no seu Gibbytronix, uma caixa personalizada de efeitos que o acompanha nos seus concertos. Para além dele e de Paul Leary, o guitarrista psicadélico, os restantes membros da banda foram mudando, destacando-se os bateristas falsamente geminados King Coffey e Teresa Nervosa. O improvável nome da banda deveu-se a uma confusão de um apresentador num dos primeiros concertos que tomou o nome de uma música “Butthole Surfer” pelo nome do grupo, mas o acaso assenta bem no caos estrutural do projecto e acabaram por o adoptar, substituindo-o aos nomes não menos absurdos de Dick Clarck Five ou Nine Foot Worm Makes Own Food.



A música pode ser catalogada de forma controversa como psicadélica, com elementos do punk e noise rock, heavy metal, electrónica e até como precursora do grunge, ainda que sejam mais que óbvios os clichés de modificação perceptiva e acústica que contaminam as estruturas rítmicas, as convoluções tímbricas e todo o imaginário alucinogénio das canções e dos álbuns, onde títulos como Humpty Dumpty LSD ou “I smoke Elvis Presley’s toenails when i wanna get high” não enganam, para não falar do primeiro álbum “Psychic…Powerless…Another Man’s Sac” de 1983.

Para ver uma entrevista dos Butthole Surfers na cama: parte 1 e parte 2

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