“Hey! Tu vês aquilo que eu vejo!?”, pergunta o rato assustado, escondendo-se debaixo do chapéu do seu improvável amigo, um infante elefante de orelhas aladas chamado Dumbo, ao ver no ecrã estrelado do firmamento a reprodução partenogénica de um elefante cor-de-rosa num segundo elefante que lhe nasce da tromba e depois a deste segundo elefante cor-de-rosa num terceiro e, finalmente, num quarto que também surge, como se a bolha de água e champanhe que Dumbo previamente expelira da sua própria tromba fosse um eflúvio líquido da imaginação intoxicada, da alucinação partilhada pelos dois, de uma folie à deux. E os elefantes cor-de-rosa instáveis e volúveis passam por uma série de experiências topológicas que implicam a sua permanente metamorfose, desfilando, como em parada, no céu da noite, tomando as suas trombas por trombetas e por trombones para criar o ritmo de uma marcha, “Look Out! Look Out! / Pink Elephants on Parade / Here they come!...” Eles estão aqui e ali, os elefantes cor-de-rosa estão por todo o lado, cuidado! Cuidado! Eles andam à volta da cama, eles entrelaçam-se numa longa trança de paquidermes, eles replicam-se e mudam de cor, aliás, as cores atravessam-lhes os corpos pneumáticos como raios catódicos, listas e padrões tecnicolores, superfícies lisas, prontas a lamber … O que há-de Dumbo fazer? O que há-de fazer? Que visões tão invulgares! Ele suportaria a visão de vermes, ou a imagem microscópica de germes, mas em Technicolor ver paquidermes… é demais! Eles marcham nas margens do ecrã, enchem o plano da visão e BUM! Dumbo esconde-se por detrás das suas gigantes orelhas, enquanto os elefantes explodem para dar lugar a um número oriental de dança, onde um elefante cor-de-rosa ganha bossas para passar através de duas pirâmides no deserto e outro se deixa encantar pelo ritmo de uma pungi paquidérmica e se transforma em serpente que faz a dança do ventre. E a lua cor-de-rosa é o terceiro olho, aquele que tudo vê e tudo torna clarividente, visão cristalina do espírito e dos sonhos do tímido elefante no circo. Depois de uma sequência electrizante e verdadeiramente psicotrópica, os elefantes descem na abóbada celeste e adormecem como nuvens.
Quem viu esta sequência do filme produzido por Walt Disney em 1941 sobre o elefante Dumbo reconhecerá a sua natureza psicadélica, alegadamente uma das primeiras deste tipo no cinema de animação. Mas quem se lembrar de Fantasia, aliás o filme da Disney do ano anterior, recordará também os momentos de alucinação desenfreada acompanhados ou acompanhando as selecções orquestrais de Leopold Stokowski. Não terá sido um acaso que, depois do fracasso inaugural do filme, a Disney decide relançá-lo em 1969, em plena era psicadélica, já não visando o público infantil mas vendendo como “The Ultimate Experience” para os adolescentes e adultos que muitas vezes se preparavam quimicamente antes de entrar nas salas de cinema para assistir a essa trip de cores e som. De certa forma, o mesmo terá acontecido com a sequência dos elefantes cor-de-rosa de Dumbo, que é recuperada e transformada no filme de 1968 Winnie-The-Pooh onde é directamente referida na sequência do pesadelo do ursinho que vê os seus heffalumps e woozles a dançar e a declinar no espaço hipnagógico da sua imaginação. A tradição psicadélica da Disney tem múltiplos exemplos dos quais o mais famoso já foi aqui noutra crónica aludido e que é o de Alice in Wonderland (o filme de 1951). Talvez por isso, seja forte a presença do imaginário da Disney na cultura das drogas alucinogéneas de múltiplas maneiras e na contra-cultura dos anos 60. (ver Brode, Douglas, From Walt to Woodstock: how Disney created the counterculture, University of Texas Press, Austin, 2004)
A música popular também teve sempre muitas referências a esta promiscuidade entre psicadelismo e o imaginário da Disney. Na crónica emitida escutámos a versão que Sun Ra fez deste “Pink Elephants on Parade”, cujo original escutávamos em fundo numa interpretação dos Sportsmen, e que foi incluída no álbum de tributo à Disney “Stay Awake”, produzido por Hal Willner. De seguida, ouvimos a canção “Heffalumps and Woozles”, composta pelos The Sherman Borthers para o filme “Winnie-The-Pooh”. Depois ouvimos ainda uma canção do músico americano George Olsen, chamada “Pink Elephants” e gravada num disco a 78 rpm, em 1932, anterior ao filme, mas já alusiva às alucinações resultantes da intoxicação alcoólica, antecipando ou inspirando a sequência que deu origem a esta crónica.